Yoga não é mágica
1)
Certa vez tivemos em nossa escola de Yoga um aluno de meia-idade, hipertenso, que estava com gastrite, muitos quilos a mais e extremamente tenso. Seus músculos pareciam pedras, de tão duros. Numa das primeiras aulas, um dos seus colegas perguntou à professora por que ela não comia carne. Ela respondeu que deixara de comer carne por haver percebido que isso dificultava a prática da meditação. No momento em que meditar tornou-se importante, não houve mais lugar para a carne. Além disso, disse ela, sua saúde melhorara tão acentuadamente que ela não pretendia tornar a comer carne, suprimindo esse hábito da sua vida.
Apesar de ela não haver sugerido que todos devessem adotar a dieta vegetariana, esse aluno ficou realmente indignado com a resposta, e reclamou: “Não vim aqui para me tornar um guru. Não pretendo modificar meus hábitos de vida. Não deixarei de tomar o meu uísque, de fumar o meu cigarro nem de comer carne. Vim aqui exclusivamente para relaxar”.
A professora tranquilizou-o. Naturalmente, ele só faria o que quisesse fazer. Como poderia ser diferente? Mas deixou de dizer-lhe o mais importante, porque ele não o entenderia, ainda:
“Existem apenas dois métodos para relaxar sem transformar seus hábitos de vida, suas reações emocionais, seu modo de pensar, sua arrogância e sua impaciência. Aqui não empregamos nenhum deles. E, se você procurou essa escola, é porque também não deseja empregá-los. Um é a sedação através de medicamentos, e o outro é através da hipnose.
“Sabemos que o método que utilizamos é eficaz unicamente quando empregado pelo próprio indivíduo, voluntária e participativamente. Sabemos que não podemos ajudá-lo à sua revelia, e jamais tentaríamos entrar em guerra com você. Não conhecemos o seu caminho, nem podemos avaliar a sua capacidade. Temos indicações gerais, comuns a todos, que delineiam uma rota a seguir. Porém, o seu caminho só pode ser trilhado por você.
“Isso nos torna humildes e obriga-nos a sermos pacientes. Caso pretendamos realizar algum trabalho útil, precisamos ser tolerantes e aceitá-lo exatamente como chegou aqui, e, aos poucos, levar sua compreensão até a realidade, se você o permitir. Não podemos entregar-lhe o Yoga como se fosse uma mercadoria. Você terá que praticá-lo por si mesmo. Caso pudéssemos fazê-lo por você, nós o faríamos, porque sabemos que você está sofrendo, que sua vida é, em grande parte, um tormento, e que você precisa realmente relaxar.
“Seu corpo está doente, e seus nervos agitados. Seu emocional está inquieto, agressivo e em guerra constante.
“Seu mental sofre de separatividade e tem necessidade de afirmar sua superioridade sobre os demais. Por isso, não tem um momento de descanso. Está exausto.
“Sua situação toca o nosso coração, porque também já experimentamos coisa semelhante, em nosso passado.
“Desejamos ajudá-lo!
“Mas, como fazê-lo, se somente podemos ajudá-lo através de você mesmo, e você acaba de declarar que não quer mudar a situação que é responsável, única e diretamente, pelo seu estado?”
Não é o uísque, ou o cigarro, ou a carne que, em si, devem ser responsabilizados. É o todo que precisa ser transformado. É o contexto global da vida da pessoa que gera as consequências que criam situações como a desse homem.
Não temos a doença. Nós somos o doente.
Para curarmo-nos, temos que mudar a nossa forma de viver para, só então, nos tornarmos pessoas saudáveis. E isso é uma responsabilidade intransferível de cada um de nós.
O Yoga é um trabalho que atinge o próprio ser. Não é uma aspirina que tomamos para escapar de um sintoma desagradável. O Yoga não atua por fora, mas por dentro. E a origem dessa atuação vem do supra mental, muito mais interior do que podemos supor com a mente totalmente exteriorizada que usamos quotidianamente, confundindo-a com o nosso próprio ser. O caminho que ensinamos e a rota que seguimos não foi escolhida por nós de acordo com preferências pessoais.
A natureza tem suas leis. Leis para o corpo, para o psíquico e do espírito. E todo o segredo consiste em adequarmo-nos a elas. Jesus diz que devemos fazer a vontade do Pai e não a nossa. Mas temos feito o contrário, e empregado o poderio da inteligência para contrariar a natureza, como se fosse possível gratificar as predileções de nosso ego contra ela, impunemente. A saúde existe em seus próprios termos, bem como o equilíbrio emocional e a paz mental.
O Yoga não pode ser dado de presente nem outorgado mediante pagamento. Depende de um compromisso de transformação pessoal que o indivíduo faz consigo mesmo. E isso não pode ser providenciado por terceiros. Além disso, não basta decidir mudar. Temos também que descobrir o que deve ser mudado, por quê e como mudar.
O Yoga ajuda a clarear a percepção que temos de nosso corpo e de nosso psiquismo, e cria condições que facilitam as mudanças que nos levam ao encontro de nós mesmos. A prática do Yoga envolve a utilização de técnicas precisas, com objetivos específicos.
Yoga não é mágica. É a ciência do ser e a arte do existir.
O que o Yoga não é
» por Maria Alice Figueiredo (Certa vez tivemos em nossa escola de Yoga um aluno de meia-idade, hipertenso, que estava com gastrite, muitos quilos a mais e extremamente tenso. Seus músculos pareciam pedras, de tão duros. Numa das primeiras aulas, um dos seus colegas perguntou à professora por que ela não comia carne. Ela respondeu que deixara de comer carne por haver percebido que isso dificultava a prática da meditação. No momento em que meditar tornou-se importante, não houve mais lugar para a carne. Além disso, disse ela, sua saúde melhorara tão acentuadamente que ela não pretendia tornar a comer carne, suprimindo esse hábito da sua vida.
Apesar de ela não haver sugerido que todos devessem adotar a dieta vegetariana, esse aluno ficou realmente indignado com a resposta, e reclamou: “Não vim aqui para me tornar um guru. Não pretendo modificar meus hábitos de vida. Não deixarei de tomar o meu uísque, de fumar o meu cigarro nem de comer carne. Vim aqui exclusivamente para relaxar”.
A professora tranquilizou-o. Naturalmente, ele só faria o que quisesse fazer. Como poderia ser diferente? Mas deixou de dizer-lhe o mais importante, porque ele não o entenderia, ainda:
“Existem apenas dois métodos para relaxar sem transformar seus hábitos de vida, suas reações emocionais, seu modo de pensar, sua arrogância e sua impaciência. Aqui não empregamos nenhum deles. E, se você procurou essa escola, é porque também não deseja empregá-los. Um é a sedação através de medicamentos, e o outro é através da hipnose.
“Sabemos que o método que utilizamos é eficaz unicamente quando empregado pelo próprio indivíduo, voluntária e participativamente. Sabemos que não podemos ajudá-lo à sua revelia, e jamais tentaríamos entrar em guerra com você. Não conhecemos o seu caminho, nem podemos avaliar a sua capacidade. Temos indicações gerais, comuns a todos, que delineiam uma rota a seguir. Porém, o seu caminho só pode ser trilhado por você.
“Isso nos torna humildes e obriga-nos a sermos pacientes. Caso pretendamos realizar algum trabalho útil, precisamos ser tolerantes e aceitá-lo exatamente como chegou aqui, e, aos poucos, levar sua compreensão até a realidade, se você o permitir. Não podemos entregar-lhe o Yoga como se fosse uma mercadoria. Você terá que praticá-lo por si mesmo. Caso pudéssemos fazê-lo por você, nós o faríamos, porque sabemos que você está sofrendo, que sua vida é, em grande parte, um tormento, e que você precisa realmente relaxar.
“Seu corpo está doente, e seus nervos agitados. Seu emocional está inquieto, agressivo e em guerra constante.
“Seu mental sofre de separatividade e tem necessidade de afirmar sua superioridade sobre os demais. Por isso, não tem um momento de descanso. Está exausto.
“Sua situação toca o nosso coração, porque também já experimentamos coisa semelhante, em nosso passado.
“Desejamos ajudá-lo!
“Mas, como fazê-lo, se somente podemos ajudá-lo através de você mesmo, e você acaba de declarar que não quer mudar a situação que é responsável, única e diretamente, pelo seu estado?”
Não é o uísque, ou o cigarro, ou a carne que, em si, devem ser responsabilizados. É o todo que precisa ser transformado. É o contexto global da vida da pessoa que gera as consequências que criam situações como a desse homem.
Não temos a doença. Nós somos o doente.
Para curarmo-nos, temos que mudar a nossa forma de viver para, só então, nos tornarmos pessoas saudáveis. E isso é uma responsabilidade intransferível de cada um de nós.
O Yoga é um trabalho que atinge o próprio ser. Não é uma aspirina que tomamos para escapar de um sintoma desagradável. O Yoga não atua por fora, mas por dentro. E a origem dessa atuação vem do supra mental, muito mais interior do que podemos supor com a mente totalmente exteriorizada que usamos quotidianamente, confundindo-a com o nosso próprio ser. O caminho que ensinamos e a rota que seguimos não foi escolhida por nós de acordo com preferências pessoais.
A natureza tem suas leis. Leis para o corpo, para o psíquico e do espírito. E todo o segredo consiste em adequarmo-nos a elas. Jesus diz que devemos fazer a vontade do Pai e não a nossa. Mas temos feito o contrário, e empregado o poderio da inteligência para contrariar a natureza, como se fosse possível gratificar as predileções de nosso ego contra ela, impunemente. A saúde existe em seus próprios termos, bem como o equilíbrio emocional e a paz mental.
O Yoga não pode ser dado de presente nem outorgado mediante pagamento. Depende de um compromisso de transformação pessoal que o indivíduo faz consigo mesmo. E isso não pode ser providenciado por terceiros. Além disso, não basta decidir mudar. Temos também que descobrir o que deve ser mudado, por quê e como mudar.
O Yoga ajuda a clarear a percepção que temos de nosso corpo e de nosso psiquismo, e cria condições que facilitam as mudanças que nos levam ao encontro de nós mesmos. A prática do Yoga envolve a utilização de técnicas precisas, com objetivos específicos.
Yoga não é mágica. É a ciência do ser e a arte do existir.
Leia na sequência:
O que o Yoga não é
Yoga não é uma ginástica
Yoga não é relaxamento por sugestão
Yoga não é religião
Yoga não é mágica
- Texto extraído das páginas 36 a 38 do capítulo 1 do livro Yoga Vidya, a Sabedoria do Yoga – Conceitos Fundamentais (1997) e digitado por Cristiano Bezerra em 18 de janeiro de 2003. [↩]
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