Quem manda no teu desejo?
Ernani Fornari (Dharmendra) (1)
Quando lemos textos ou ouvimos palestras sobre alimentação natural, o assunto acaba geralmente circulando em torno das questões relacionadas com a qualidade dos alimentos, as virtudes dos cereais integrais, a contaminação dos alimentos, os malefícios da carne e do açúcar branco, etc, etc. Tudo isso está abundantemente desdobrado na numerosa literatura disponível.
Este texto pretende abordar uma outra questão que é pouco colocada e que é o que verdadeiramente norteia, na grande maioria das pessoas, o ato de comer e a opção pelos alimentos: o desejo.
Normalmente, o que construía esse desejo (o chamado “gosto”) era a tradição, isto é, o que a nossa mãe nos dava. E ela, por sua vez, recebia de sua mãe o conhecimento culinário (muitas vezes determinado por fatores culturais dos países de origem de nossa família) e assim a coisa se perpetuava sem nenhum tipo de questionamento maior. O critério do que é saudável se misturava ao do que é gostoso.
Com o advento da comunicação de massa e da expansão da mídia com seus marketings e merchandisings, esses novos vetores passaram a influir decisivamente no processo da construção do desejo. Antes, comíamos o que era gostoso, e esse gostoso era referenciado no condicionamento desenvolvido pela tradição familiar. Agora, comemos o que é gostoso, e os parâmetros do que é gostoso são criados e amplamente manipulados pela propaganda à serviço da indústria dos “alimentos”, que obviamente não tem o menor interesse na verdadeira saúde.
Nos anos 70, com a explosão das (contra)culturas alternativas, a questão da alimentação foi ampla e profundamente questionada e experimentada. Várias tendências e linhas de alimentação eclodiram, como a Macrobiótica, o Vegetarianismo, o Higienismo, etc, estabelecendo parâmetros e critérios corretos do que é efetivamente saudável. Hoje, qualquer um sabe (e os médicos e nutricionistas realmente comprometidos com a saúde corroboram) dos malefícios do açúcar, da carne, dos alimentos industrializados, doa agrotóxicos, enfim, estabeleceu-se solidamente uma filosofia e uma tecnologia do comer que realmente promove a saúde através o reequilíbrio da energia e consequentemente do sistema imunológico, como aliás preconiza toda a cultura oriental (que também teve seu boom nos anos 70).
A manipulação do nosso desejo pela mídia à serviço do sistema vem perpetuar, de forma mais moderna, aquela velha técnica de dominação tão utilizada pelas religiões e pelas ditaduras, de controlar os dois maiores poderes acessados pelo homem comum: o dinheiro e o sexo. Não é a pornografia também uma forma de manipulação da opinião pública que se acha mais “livre” do que os que viviam o puritanismo?
E é exatamente isso o que faz essa ideologia que hoje chamamos de “liberalismo” e que dá suporte a outro eufemismo terrível chamado “globalização”. O que se pretende globalizar, na verdade, é tão somente a dominação e a dependência. Todos sabemos que o mundo caminha para uma mega concentração de poder nas duas áreas mais vitais do mundo moderno: a informação e a alimentação. Lucro é efetivamente só o que interessa.
Todos sabemos que a estratégia básica do capitalismo é manter inalterada a desigual pirâmide social. É de importância capital para a manutenção desse injusto sistema que na imensa base dessa pirâmide sejam mantidos os indivíduos em um estado de pouca educação e pouca saúde, gerando mão de obra barata. Claro, pessoas saudáveis, inteligentes e bem informadas não podem ser dominadas nem exploradas.
A estratégia das transnacionais (reparou que o que antes eram empresas internacionais, viraram multinacionais e agora são transnacionais que caminham em direção à efetivação do Big Brother?) que são hoje o esteio dessa ideologia foi extremamente eficiente: controlou-se completamente o processo da produção de alimentos e da cura das doenças. As mesmas empresas que fabricam agroquímicos agrícolas são as que fabricam os remédios. A mesma empresa que maquina os transgênicos envenena os incautos com o aspartame.
Implantou-se, então, de forma absolutamente eficiente, a cultura da doença, que efetivamente é o que dá lucro. E isso é tão grave que até no interior está-se perdendo o conhecimento da fitoterapia empírica e do curandeirismo em função da televisão que invade os lares rurais e infecta as mentes simples com seu conteúdo na maioria das vezes inútil e destrutivo, homogeneizando as culturas e as tradições.
Sabemos bem que prevenção é barato, que as pessoas que se alimentam bem tem uma vida criativa e produtiva e que as que usam saudavelmente seu corpo e sua mente quase não adoecem. E prevenção é baratinho! Yoga, Tai Chi, massagem, Acupuntura, Homeopatia, tudo isso é barato e extremamente eficaz, e poderia ser amplamente disponibilizado para a população, não fosse a visão nenhuma (e muitas vezes o caráter nenhum) dos que decidem nossa vida…
E a medicina alopática prestou-se perfeitamente para essa maquinação. É uma medicina sintomática, imediatista, segmentarista, completamente descompromissada da visão holística e integrativa e absolutamente ignorante do vital e do energético. Com a vantagem – para as transnacionais – que essa forma de medicina, que é absolutamente dependente dos remédios químicos, é a que dominou praticamente todo o planeta, entronizando dogmaticamente o conceito de que só é válido e verdadeiro o que é provado em laboratório. Bem diferente da visão energética e vitalista das filosofias – e suas terapias – orientais, onde o sutil e a intuição são provados cientificamente… pela experiência pessoal de cada um.
E quando a medicina alopática percebe que alguma terapia oriental pode ser lucrativa, lança sua teia corporativa, descaracterizando a terapia de seu aspecto dialético, filosófico e sutil (pois isso não é “provado cientificamente”), como está ocorrendo com a Acupuntura. A medicina criou a “acupuntura médica”, modalidade que reduziu essa milenar ciência a uma técnica sofisticada de analgesia (e de tratamento de mais algumas doenças cuja cura foi “comprovada cientificamente”) e agora maquina para que só os médicos possam utilizá-la (embora tenham aprendido com os leigos).
Da mesma forma, aliás, está acontecendo com a educação física em relação ao Yoga, e, se deixarmos, Yoga vai virar ginástica. Interesses de mercado e nada mais…
Ainda por cima, temos que aturar eufemismos surreais como “planos de saúde” e “profissionais de saúde”, quando todos esses estão à serviço da doença fomentando e mantendo esse status quo, que é extremamente lucrativo.
A teia das transnacionais dominou com sua ideologia, desde o ensino da medicina e da agronomia nas universidades, passando pela produção de alimentos e medicamentos, até o desenvolvimento de uma propaganda que mantém competentemente em vigor um sistema que se nutre basicamente da deturpação do… desejo.
E a falta da informação verdadeira e consciente fez com que as pessoas depositassem cegamente sua saúde nas mãos do médico, que, se antigamente era um parceiro, agora raramente influi na reeducação dos hábitos e da alimentação do paciente, o que criou um círculo vicioso onde nem médico nem paciente são culpados: aquele, já tem sua cabeça feita pela doutrina das transnacionais; este, não quer mesmo mudar seus hábitos (e seus desejos) esperando que o deus médico que estudou tanto vá curar milagrosamente seu corpo estragado pelas porcarias que o sistema o leva à comer e fazer. E ao sistema (e ao médico) não interessa mudar esses hábitos porque eles podem levar à saúde – que não é a mesma coisa que ausência de doença, estado em que a maioria da população eventualmente se encontra quando não está doente – e a saúde vai manter o paciente longe do médico.
Obviamente, como tudo na vida, a medicina alopática tem seus méritos, grandes avanços, especialmente nas áreas de diagnóstico e cirurgia. O que é necessário é que essa modalidade de medicina deixe de imperar como a “superior”, deixe de estar dominada pelas transnacionais e passe a interagir de igual para igual com todas as outras medicinas, tão verdadeiras e válidas quanto.
Só como curiosidade: na China, o médico de aldeia era punido quando uma pessoa adoecia…
É fundamental o resgate da saudável relação de parceria entre terapeuta e paciente, onde trabalhar os hábitos de alimentação do paciente não é uma “invasão de privacidade”, mas faz parte integrante do processo de cura.
Na filosofia hindu existe um termo que se chama buddhi e que significa intelecto. Buddhi é a parte da mente que se ocupa do discernimento e da discriminação, isto é, da escolha entre o que é bom e ruim, certo e errado, vontade e necessidade.
Segundo a visão oriental, buddhi é quem deveria nortear o desejo. E trazendo essa questão para o assunto aqui abordado, nosso comer, nosso “gosto”, deveria ser construído pelo nosso discernimento.
É bom que fique claro que este texto não pretende, de forma nenhuma, fazer apologia contra o desejo. O desejo existe e é necessário. O prazer existe e absolutamente não é feio nem pecado, como querem muitas religiões interessadas em manter o domínio sobre seus fiéis.
O problema está justamente na construção desse desejo, e é isso que este texto quer salientar e questionar. O desejo que norteia meu comer (e o prazer que resulta disso) deveria ser referenciado pelo meu discernimento consciente do que é realmente saudável, e não por uma tradição que nunca questionou o padrão de alimentação vigente ou, pior, por um sistema que quer você escravo e doente.
Esse texto vem fazer, na verdade, a apologia da emergente necessidade do resgate da nossa liberdade de questionar conscientemente e optar maduramente pela alimentação que nosso discernimento escolheu, fruto do exercício da verdadeira cidadania que é tomar em nossas mãos as rédeas de nossa vida e da nossa autonomia.
O grande empecilho para a retomada de nossa verdadeira liberdade de optar (até por se envenenar) é a ideia que se cristalizou profundamente na sociedade, de que os hábitos são muito difíceis de mudar, como se fossem estigmas “imexíveis”. Sem falar que essas situações estão geralmente ancorando histórias emocionais mal resolvidas. E isso é um prato para o sistema, é disso que ele se nutre e se fortalece.
Urge que deixemos de ser ridículos escravos do sistema e dos nossos desejos deturpados, e que, a custa de muita investigação, estudo e experimentação (e algum esforço), mudemos consciente e voluntariamente nossos hábitos nocivos por hábitos saudáveis. E isso, é claro, se aplica a tudo na vida.
É preciso que se entenda que o gosto é algo absolutamente educável (assim como, por exemplo, o gosto musical) e transformável, e que a alimentação verdadeiramente saudável é gostosa, prazerosa e energética.
E é importante que se saliente também que a alimentação correta, natural, orgânica, além de ser saudável e vitalizante, é política e ecologicamente correta, pois, em sua visão holística, preocupa-se com a saúde do indivíduo, do meio ambiente e da sociedade.
Os produtores orgânicos não são pobres aplicadores de agroquímicos, vítimas do sistema escravizador. São seres que percebem a profunda interação entre a natureza e o homem, e são pessoas profundamente antenadas com o amor pela terra e por seus semelhantes.
» por Quando lemos textos ou ouvimos palestras sobre alimentação natural, o assunto acaba geralmente circulando em torno das questões relacionadas com a qualidade dos alimentos, as virtudes dos cereais integrais, a contaminação dos alimentos, os malefícios da carne e do açúcar branco, etc, etc. Tudo isso está abundantemente desdobrado na numerosa literatura disponível.
Este texto pretende abordar uma outra questão que é pouco colocada e que é o que verdadeiramente norteia, na grande maioria das pessoas, o ato de comer e a opção pelos alimentos: o desejo.
Normalmente, o que construía esse desejo (o chamado “gosto”) era a tradição, isto é, o que a nossa mãe nos dava. E ela, por sua vez, recebia de sua mãe o conhecimento culinário (muitas vezes determinado por fatores culturais dos países de origem de nossa família) e assim a coisa se perpetuava sem nenhum tipo de questionamento maior. O critério do que é saudável se misturava ao do que é gostoso.
Com o advento da comunicação de massa e da expansão da mídia com seus marketings e merchandisings, esses novos vetores passaram a influir decisivamente no processo da construção do desejo. Antes, comíamos o que era gostoso, e esse gostoso era referenciado no condicionamento desenvolvido pela tradição familiar. Agora, comemos o que é gostoso, e os parâmetros do que é gostoso são criados e amplamente manipulados pela propaganda à serviço da indústria dos “alimentos”, que obviamente não tem o menor interesse na verdadeira saúde.
Nos anos 70, com a explosão das (contra)culturas alternativas, a questão da alimentação foi ampla e profundamente questionada e experimentada. Várias tendências e linhas de alimentação eclodiram, como a Macrobiótica, o Vegetarianismo, o Higienismo, etc, estabelecendo parâmetros e critérios corretos do que é efetivamente saudável. Hoje, qualquer um sabe (e os médicos e nutricionistas realmente comprometidos com a saúde corroboram) dos malefícios do açúcar, da carne, dos alimentos industrializados, doa agrotóxicos, enfim, estabeleceu-se solidamente uma filosofia e uma tecnologia do comer que realmente promove a saúde através o reequilíbrio da energia e consequentemente do sistema imunológico, como aliás preconiza toda a cultura oriental (que também teve seu boom nos anos 70).
A manipulação do nosso desejo pela mídia à serviço do sistema vem perpetuar, de forma mais moderna, aquela velha técnica de dominação tão utilizada pelas religiões e pelas ditaduras, de controlar os dois maiores poderes acessados pelo homem comum: o dinheiro e o sexo. Não é a pornografia também uma forma de manipulação da opinião pública que se acha mais “livre” do que os que viviam o puritanismo?
E é exatamente isso o que faz essa ideologia que hoje chamamos de “liberalismo” e que dá suporte a outro eufemismo terrível chamado “globalização”. O que se pretende globalizar, na verdade, é tão somente a dominação e a dependência. Todos sabemos que o mundo caminha para uma mega concentração de poder nas duas áreas mais vitais do mundo moderno: a informação e a alimentação. Lucro é efetivamente só o que interessa.
Todos sabemos que a estratégia básica do capitalismo é manter inalterada a desigual pirâmide social. É de importância capital para a manutenção desse injusto sistema que na imensa base dessa pirâmide sejam mantidos os indivíduos em um estado de pouca educação e pouca saúde, gerando mão de obra barata. Claro, pessoas saudáveis, inteligentes e bem informadas não podem ser dominadas nem exploradas.
A estratégia das transnacionais (reparou que o que antes eram empresas internacionais, viraram multinacionais e agora são transnacionais que caminham em direção à efetivação do Big Brother?) que são hoje o esteio dessa ideologia foi extremamente eficiente: controlou-se completamente o processo da produção de alimentos e da cura das doenças. As mesmas empresas que fabricam agroquímicos agrícolas são as que fabricam os remédios. A mesma empresa que maquina os transgênicos envenena os incautos com o aspartame.
Implantou-se, então, de forma absolutamente eficiente, a cultura da doença, que efetivamente é o que dá lucro. E isso é tão grave que até no interior está-se perdendo o conhecimento da fitoterapia empírica e do curandeirismo em função da televisão que invade os lares rurais e infecta as mentes simples com seu conteúdo na maioria das vezes inútil e destrutivo, homogeneizando as culturas e as tradições.
Sabemos bem que prevenção é barato, que as pessoas que se alimentam bem tem uma vida criativa e produtiva e que as que usam saudavelmente seu corpo e sua mente quase não adoecem. E prevenção é baratinho! Yoga, Tai Chi, massagem, Acupuntura, Homeopatia, tudo isso é barato e extremamente eficaz, e poderia ser amplamente disponibilizado para a população, não fosse a visão nenhuma (e muitas vezes o caráter nenhum) dos que decidem nossa vida…
E a medicina alopática prestou-se perfeitamente para essa maquinação. É uma medicina sintomática, imediatista, segmentarista, completamente descompromissada da visão holística e integrativa e absolutamente ignorante do vital e do energético. Com a vantagem – para as transnacionais – que essa forma de medicina, que é absolutamente dependente dos remédios químicos, é a que dominou praticamente todo o planeta, entronizando dogmaticamente o conceito de que só é válido e verdadeiro o que é provado em laboratório. Bem diferente da visão energética e vitalista das filosofias – e suas terapias – orientais, onde o sutil e a intuição são provados cientificamente… pela experiência pessoal de cada um.
E quando a medicina alopática percebe que alguma terapia oriental pode ser lucrativa, lança sua teia corporativa, descaracterizando a terapia de seu aspecto dialético, filosófico e sutil (pois isso não é “provado cientificamente”), como está ocorrendo com a Acupuntura. A medicina criou a “acupuntura médica”, modalidade que reduziu essa milenar ciência a uma técnica sofisticada de analgesia (e de tratamento de mais algumas doenças cuja cura foi “comprovada cientificamente”) e agora maquina para que só os médicos possam utilizá-la (embora tenham aprendido com os leigos).
Da mesma forma, aliás, está acontecendo com a educação física em relação ao Yoga, e, se deixarmos, Yoga vai virar ginástica. Interesses de mercado e nada mais…
Ainda por cima, temos que aturar eufemismos surreais como “planos de saúde” e “profissionais de saúde”, quando todos esses estão à serviço da doença fomentando e mantendo esse status quo, que é extremamente lucrativo.
A teia das transnacionais dominou com sua ideologia, desde o ensino da medicina e da agronomia nas universidades, passando pela produção de alimentos e medicamentos, até o desenvolvimento de uma propaganda que mantém competentemente em vigor um sistema que se nutre basicamente da deturpação do… desejo.
E a falta da informação verdadeira e consciente fez com que as pessoas depositassem cegamente sua saúde nas mãos do médico, que, se antigamente era um parceiro, agora raramente influi na reeducação dos hábitos e da alimentação do paciente, o que criou um círculo vicioso onde nem médico nem paciente são culpados: aquele, já tem sua cabeça feita pela doutrina das transnacionais; este, não quer mesmo mudar seus hábitos (e seus desejos) esperando que o deus médico que estudou tanto vá curar milagrosamente seu corpo estragado pelas porcarias que o sistema o leva à comer e fazer. E ao sistema (e ao médico) não interessa mudar esses hábitos porque eles podem levar à saúde – que não é a mesma coisa que ausência de doença, estado em que a maioria da população eventualmente se encontra quando não está doente – e a saúde vai manter o paciente longe do médico.
Obviamente, como tudo na vida, a medicina alopática tem seus méritos, grandes avanços, especialmente nas áreas de diagnóstico e cirurgia. O que é necessário é que essa modalidade de medicina deixe de imperar como a “superior”, deixe de estar dominada pelas transnacionais e passe a interagir de igual para igual com todas as outras medicinas, tão verdadeiras e válidas quanto.
Só como curiosidade: na China, o médico de aldeia era punido quando uma pessoa adoecia…
É fundamental o resgate da saudável relação de parceria entre terapeuta e paciente, onde trabalhar os hábitos de alimentação do paciente não é uma “invasão de privacidade”, mas faz parte integrante do processo de cura.
Na filosofia hindu existe um termo que se chama buddhi e que significa intelecto. Buddhi é a parte da mente que se ocupa do discernimento e da discriminação, isto é, da escolha entre o que é bom e ruim, certo e errado, vontade e necessidade.
Segundo a visão oriental, buddhi é quem deveria nortear o desejo. E trazendo essa questão para o assunto aqui abordado, nosso comer, nosso “gosto”, deveria ser construído pelo nosso discernimento.
É bom que fique claro que este texto não pretende, de forma nenhuma, fazer apologia contra o desejo. O desejo existe e é necessário. O prazer existe e absolutamente não é feio nem pecado, como querem muitas religiões interessadas em manter o domínio sobre seus fiéis.
O problema está justamente na construção desse desejo, e é isso que este texto quer salientar e questionar. O desejo que norteia meu comer (e o prazer que resulta disso) deveria ser referenciado pelo meu discernimento consciente do que é realmente saudável, e não por uma tradição que nunca questionou o padrão de alimentação vigente ou, pior, por um sistema que quer você escravo e doente.
Esse texto vem fazer, na verdade, a apologia da emergente necessidade do resgate da nossa liberdade de questionar conscientemente e optar maduramente pela alimentação que nosso discernimento escolheu, fruto do exercício da verdadeira cidadania que é tomar em nossas mãos as rédeas de nossa vida e da nossa autonomia.
O grande empecilho para a retomada de nossa verdadeira liberdade de optar (até por se envenenar) é a ideia que se cristalizou profundamente na sociedade, de que os hábitos são muito difíceis de mudar, como se fossem estigmas “imexíveis”. Sem falar que essas situações estão geralmente ancorando histórias emocionais mal resolvidas. E isso é um prato para o sistema, é disso que ele se nutre e se fortalece.
Urge que deixemos de ser ridículos escravos do sistema e dos nossos desejos deturpados, e que, a custa de muita investigação, estudo e experimentação (e algum esforço), mudemos consciente e voluntariamente nossos hábitos nocivos por hábitos saudáveis. E isso, é claro, se aplica a tudo na vida.
É preciso que se entenda que o gosto é algo absolutamente educável (assim como, por exemplo, o gosto musical) e transformável, e que a alimentação verdadeiramente saudável é gostosa, prazerosa e energética.
E é importante que se saliente também que a alimentação correta, natural, orgânica, além de ser saudável e vitalizante, é política e ecologicamente correta, pois, em sua visão holística, preocupa-se com a saúde do indivíduo, do meio ambiente e da sociedade.
Os produtores orgânicos não são pobres aplicadores de agroquímicos, vítimas do sistema escravizador. São seres que percebem a profunda interação entre a natureza e o homem, e são pessoas profundamente antenadas com o amor pela terra e por seus semelhantes.
- Texto originalmente publicado em ernanifornari.com.br, o website do Prof. Ernani Fornari, e também publicado desde 17 de agosto de 2001 por Cristiano Bezerra (1971-) em yoga.pro.br [↩]
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