O Sidarta de Hesse
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A vida virtuosa de Siddhartha Gautama, alguns séculos antes da era cristã, moveu corações e mentes, causando, entre outras coisas, o surgimento de uma reconhecida religião mundial, o Buddhismo. Na cidade de Varanasi, na Índia, tida como uma das mais antigas de que se tem notícia, encontra-se o lugar onde, após a iluminação, o Senhor Buddha proferiu seu primeiro sermão. Foi em Sarnat, originalmente um bosque, hoje abrigando um parque, e onde se acham alguns monumentos em memória desse sagrado acontecimento. Ao visitar esse lugar, experimentei uma serenidade amorosa e aconchegante.
Em um templo de Sarnat, a vida do príncipe Siddhartha é retratada em afrescos e imagens pictóricas, ilustrando os principais momentos de sua peregrinação terrena. Ao fundo do templo, uma estátua do iluminado, na posição meditativa, exala uma fragrância de beatitude e paz. O silêncio recomendado ao ambiente sela o sentimento de admiração por um percurso que vai da vida exuberante do principado à condição de desapego do renunciante à procura da libertação.
Tendo inspirado gerações de buscadores, escolas religiosas e culturas, sobretudo no Extremo Oriente, a vida do Senhor Buddha igualmente trouxe impacto sobre o Ocidente. Isso se deu tanto na forma de diálogo com filosofias orientais, como o Brahmanismo, no entendimento das técnicas de controle da mente e de asceticismo, até na inspiração de obras literárias que beberam na fonte inesgotável desta sabedoria. No território da filosofia, particularmente a alemã, um ilustrativo exemplo é o do filósofo Arthur Schopenhauer, que se viu fortemente atraído pelos textos hindus e budistas e pelos profundos conceitos que eles contem.
Na onda crescente de descoberta dessa fonte espiritual, mergulhou Hermann Hesse, o escritor suíço, prêmio Nobel de literatura em 1946, que viajou para a Índia em 1911, buscando desvelar os encantos do pensamento hindu, como muitos o fizeram antes e depois dele.
O encontro com a realidade – no mínimo intrigante – do legado filosófico-religioso da Índia fez brotar no autor a criação de uma bela e única narrativa, tendo como protagonista um também Sidarta. Nela, Hermann Hesse descreve o tortuoso caminho desse outro Sidarta, em busca igualmente da iluminação, pela via direta da experiência pessoal. A trama construída pelo escritor europeu destaca um peregrino que não se alinha ao caminho do Dharma indicado pelo Senhor Buddha, ainda que reconheça sua grandiosidade. A trajetória do personagem central, alternada entre o asceticismo rigoroso e o prazer dos sentidos – no qual curiosamente esteve envolvido o Buddha histórico – retrata metaforicamente a peregrinação de muitos seres em meio aos enlaces absorventes de Maya.
Ao mergulhar nas vicissitudes da vida humana, com o nobre intuito de chegar a Moksha, o Sidarta de Hesse deixa-se levar por forças materiais conhecidas: os apetites da sexualidade, os atrativos da luxúria e os encantos do poder. Em dado momento, esse buscador se liberta ao encontrar-se com uma entidade natural, um rio, em torno do qual uma realidade será descortinada diante de si. Então ele aprende a arte de escutar o rio, atrás do qual se chega à própria unidade das coisas. Mesmo que tal rio não tenha sua identificação nomeada, e a Índia tenha alguns rios sagrados, o Ganges nos vem como cifra dessa mensagem ficcional.
Provavelmente Hesse o conheceu, tocou em suas águas sagradas, e talvez se tenha envolvido pela mística hindu. O rio é transformação, movimento, purificação, destino das cinzas de cremação e dos pecados, como fielmente creem os indianos. Em suas águas o Self mergulha, dilui-se, tornando-se outro, como acontece com esse Sidarta de Hesse.
» por João Tadeu de Andrade (A vida virtuosa de Siddhartha Gautama, alguns séculos antes da era cristã, moveu corações e mentes, causando, entre outras coisas, o surgimento de uma reconhecida religião mundial, o Buddhismo. Na cidade de Varanasi, na Índia, tida como uma das mais antigas de que se tem notícia, encontra-se o lugar onde, após a iluminação, o Senhor Buddha proferiu seu primeiro sermão. Foi em Sarnat, originalmente um bosque, hoje abrigando um parque, e onde se acham alguns monumentos em memória desse sagrado acontecimento. Ao visitar esse lugar, experimentei uma serenidade amorosa e aconchegante.
Em um templo de Sarnat, a vida do príncipe Siddhartha é retratada em afrescos e imagens pictóricas, ilustrando os principais momentos de sua peregrinação terrena. Ao fundo do templo, uma estátua do iluminado, na posição meditativa, exala uma fragrância de beatitude e paz. O silêncio recomendado ao ambiente sela o sentimento de admiração por um percurso que vai da vida exuberante do principado à condição de desapego do renunciante à procura da libertação.
Tendo inspirado gerações de buscadores, escolas religiosas e culturas, sobretudo no Extremo Oriente, a vida do Senhor Buddha igualmente trouxe impacto sobre o Ocidente. Isso se deu tanto na forma de diálogo com filosofias orientais, como o Brahmanismo, no entendimento das técnicas de controle da mente e de asceticismo, até na inspiração de obras literárias que beberam na fonte inesgotável desta sabedoria. No território da filosofia, particularmente a alemã, um ilustrativo exemplo é o do filósofo Arthur Schopenhauer, que se viu fortemente atraído pelos textos hindus e budistas e pelos profundos conceitos que eles contem.
Na onda crescente de descoberta dessa fonte espiritual, mergulhou Hermann Hesse, o escritor suíço, prêmio Nobel de literatura em 1946, que viajou para a Índia em 1911, buscando desvelar os encantos do pensamento hindu, como muitos o fizeram antes e depois dele.
O encontro com a realidade – no mínimo intrigante – do legado filosófico-religioso da Índia fez brotar no autor a criação de uma bela e única narrativa, tendo como protagonista um também Sidarta. Nela, Hermann Hesse descreve o tortuoso caminho desse outro Sidarta, em busca igualmente da iluminação, pela via direta da experiência pessoal. A trama construída pelo escritor europeu destaca um peregrino que não se alinha ao caminho do Dharma indicado pelo Senhor Buddha, ainda que reconheça sua grandiosidade. A trajetória do personagem central, alternada entre o asceticismo rigoroso e o prazer dos sentidos – no qual curiosamente esteve envolvido o Buddha histórico – retrata metaforicamente a peregrinação de muitos seres em meio aos enlaces absorventes de Maya.
Ao mergulhar nas vicissitudes da vida humana, com o nobre intuito de chegar a Moksha, o Sidarta de Hesse deixa-se levar por forças materiais conhecidas: os apetites da sexualidade, os atrativos da luxúria e os encantos do poder. Em dado momento, esse buscador se liberta ao encontrar-se com uma entidade natural, um rio, em torno do qual uma realidade será descortinada diante de si. Então ele aprende a arte de escutar o rio, atrás do qual se chega à própria unidade das coisas. Mesmo que tal rio não tenha sua identificação nomeada, e a Índia tenha alguns rios sagrados, o Ganges nos vem como cifra dessa mensagem ficcional.
Provavelmente Hesse o conheceu, tocou em suas águas sagradas, e talvez se tenha envolvido pela mística hindu. O rio é transformação, movimento, purificação, destino das cinzas de cremação e dos pecados, como fielmente creem os indianos. Em suas águas o Self mergulha, dilui-se, tornando-se outro, como acontece com esse Sidarta de Hesse.
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Você só esqueceu de dizer que o grande amigo de Siddhartha seguiu o caminho do Buddhismo, que, no fim das contas, não foi de forma nenhuma útil para ele. Por outro lado, o Sidarta de Hesse preferiu não se filiar a nenhuma religião e conseguiu a iluminação. Interessante, não é?
Muito interessante mesmo, João! Muitíssimo grato por esse teu comentário.