Mestres mequetrefes e gurus de verdade
» por Pedro Kupfer (1966-), do yoga.pro.br (1)
É impossível negar a influência que o Yoga tem hoje em dia sobre centenas de milhares de ocidentais. Estrelas de Hollywood, pop stars e atletas famosos estão voltando seus interesses para esta prática que surgiu em tempos neolíticos na Índia. A descoberta de si próprio está na moda!
Esse movimento, que acarreta o nascimento de inúmeras entidades encarregadas de divulgá-lo, responde a uma demanda real da sociedade: estamos com sede de nos conhecer. Queremos saber quem somos. Queremos tirar o véu.
Entretanto, em meio ao verdadeiro labirinto configurado pelas entidades que se ocupam do autoconhecimento, existem duas vertentes: por um lado, grupos ou pessoas realmente interessados e empenhados na busca de Moksha (a Libertação). Por outro, aquilo que o Professor Hermógenes definiu como “o mercado de falcatruas do Yoga”.
A sociedade ocidental oferece um caldo de cultivo muito propício para que isso aconteça: o ritmo de vida que impõe a cidade acaba nos impondo a necessidade de achar um refúgio seguro dentro de nós mesmos. Ou perdemos a razão ou perdemos a felicidade. Ou fazemos alguma coisa para tentar ficar com ambas.
Dentro dessa labiríntica ordem de coisas há pessoas muito bem intencionadas, mas que nem sempre são suficientemente visíveis, já que, não estando movidas pela sede de enriquecimento ou promoção pessoal, acabam sendo sepultadas pela publicidade enganosa dos falsos mestres e gurus, impostores, oportunistas e atravessadores de conhecimento de segunda mão.
É preciso andar com muita atenção neste labirinto para não se perder. É preciso perseverar, mesmo que por momentos seja difícil. A mente fica o tempo todo inventando desculpas para ficar pulando de galho em galho, de técnica em técnica. Enraizar-se firmemente no chão é importante na hora do vendaval da moda espiritual e, principalmente, na hora de fazer as escolhas certas.
Algumas partes do labirinto são um pântano onde pululam crocodilos canibais, prestes devorar o buscador desavisado. Esses crocodilos são os falsos mestres com suas lavagens cerebrais, os instrutores despreparados, os livros sem conteúdo, os ensinamentos adulterados, o marketing vazio e a mentira institucionalizada.
O falso mestre se apresenta como a única solução possível à charada da existência. O mestre verdadeiro não precisa ficar dizendo que ele é um mestre verdadeiro. O mestre verdadeiro tem como objetivo libertar as pessoas, não criar seguidores cegos.
Para não se perder no pântano, é importante ter uma referência, um guia que nos ajude e oriente na busca. Algumas pessoas, por falta de humildade ou pelo tamanho dos músculos do ego, têm dificuldades para aceitar a ideia de ter um mestre. Porém, se tivemos mestres durante os estudos, porque não tê-los na busca espiritual?
Considerando a sociedade de consumo, e sua filosofia pegue-e-pague, pode parecer fácil achar um mestre. Porém, essa porca tem mais uma volta.
Se diz que, quando o discípulo está preparado, o mestre aparece. Isso acontece porque, num dado ponto do caminho o estudante acaba por entrar na sintonia vibratória do mestre.
Um mestre verdadeiro não é necessariamente alguém muito visível, famoso, rico ou de relevância social, mas apenas uma pessoa que transcendeu a identificação com as coisas do ego, simples e respeitosa em suas atitudes, que não busca a autopromoção nem cobra taxas absurdas em troca de “iluminação”.
Mais um esclarecimento: é necessário separar os mestres dos professores. Ao contrário do mestre, o professor é uma pessoa que está ainda no processo de desenvolvimento da maturidade emocional, e que faz isso ajudado pelos seus próprios estudantes.
Inaceitável é a atitude do professor que toma o lugar do mestre. Essa troca de papéis se percebe à distância, pois as atitudes de tal pessoa acabam sendo falsas, artificiais e patéticas, e não convencendo. Cabe ao praticante separar ensinamentos verdadeiros de fast food espiritual usando o bom-senso, pesquisando e indagando sobre com quem o professor aprendeu e a que tradição ele pertence. É importante saber quem é o mestre e qual o seu sampradaya, sua linhagem tradicional.
Ao tirar o Yoga do seu contexto tradicional para adaptá-la ao gosto ocidental, se corre o perigo de acabar reduzindo a busca da liberdade a um artigo de consumo, um “produto”. Surgem assim adaptações, versões diluídas, para tornar o produto mais palatável e, consequentemente, mais vendável.
Assim, descarta-se a transcendência do ego para, paradoxalmente, transformar a meditação numa técnica de “crescimento pessoal”, que visa ao fortalecimento da individualidade. Que possamos manter os olhos bem abertos para nos distanciar daquilo que é falso e que irá nos distanciar do objetivo real do Yoga. Namaste!
- Artigo originalmente publicado em 24 de julho de 2000 em yoga.pro.br, o site do Pedro [↩]
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