Curso Instantâneo (e gratuito!) de Formação e receita infalível para ficar rico ensinando Yoga
Pedro Kupfer (1966-), do yoga.pro.br (1)
Não quero ser repetitivo com os temas que escolho para escrever no yoga.pro.br, mas as atuais circunstâncias nos mostram que alguns assuntos estão longe de se esgotar. Um deles é o tratamento patife e caricato que o Yoga está recebendo nos meios de comunicação. Do jeito que as coisas estão sendo apresentadas, esse sofisticado sistema de filosofia está ficando muito parecido com um cachorro vira-lata (com todo respeito pelos simpáticos quadrúpedes).
Para evitar que as coisas piorem, achei que seria uma boa ideia estipular um padrão mínimo de ensino para que essa tradição milenar não se perca. Dessa forma, e inspirado pelos cursos de nivelamento oferecidos pelos CREFs, criei um Curso Instantâneo de Formação. Igualmente, juntei a ele uma série de dicas importantes que podem ser aplicadas por aqueles que aspiram a ficar ricos ensinando Yoga, sem abrir mão da profundidade filosófica dos ensinamentos (tá bom, só um pouquinho!).
Agora, você pode aproveitar minha vasta experiência como megaempresário do Yoga para também ficar rico. Pela primeira vez na história, estou desvelando gratuitamente o segredo do sucesso de tantos gurus que prosperaram no Ocidente. A informação para esse curso foi retirada da mídia não especializada que, como todos sabemos, é a fonte de pesquisa mais fidedigna sobre as tradições ancestrais do Yoga.
Caso você esteja interessado em fazer sucesso e dinheiro aplicando esta receita de Yoga (aliás, já divulgada pela mídia), reúna ao longo de uma aula de 60 minutos os ingredientes listados a seguir. Para ensinar este tipo de Yoga, não se exige nenhuma experiência prévia. Só precisa ser bastante cara de pau e ter um pouco de criatividade. Esta fórmula é especialmente indicada para academias de ginástica:
Como apresentar-se:
– use roupas sensuais e apertadas (e dane-se a circulação);
– se você for mulher, pense num implante de silicone (mas só se for XG!);
– loirice sempre está de moda nas academias. Se você não for loira, pense em ficar loira;
– se você for homem, malhe bastante ferro e tome L-carnitina (suco de boi ralado, que ajuda a destacar os músculos);
– se não tiver tatuagens, faça-as;
– se já estiver tatuado, tatue-se mais, preferentemente com motivos hindus.
Acrescente à sua prática:
– algumas séries de saudação ao Sol;
– um pouco de alongamento;
– um pouco de contorcionismo;
– algumas séries de abdominais;
– uma postura de cabeça para baixo;
– alguns minutos de descanso.
Certifique-se de que as pessoas transpirem bastante. Para tanto, feche as janelas se for preciso. Fale bastante em queima de calorias.
Use expressões como estas:
– vamos lá, força!
– é isso aí, pessoal!
– puxa mais! (ou estica mais!)
– show!
– uhu!
Elimine qualquer menção à ética do Yoga, principalmente durante as práticas, para não distrair os alunos que estejam apreciando (ou invejando) alguma parte da anatomia ou a performance dos demais.
Evite fazer invocações, mantras ou visualizações que possam assustar seus alunos ou tirá-los de seus devaneios. Reduza os respiratórios e elimine sumariamente a meditação (afinal de contas, meditar é mesmo um saco!). Imposte a voz e esforce-se para fazer cara de inteligente.
Evite as seguintes palavras:
– filosofia;
– autoconhecimento;
– transcendência;
– espiritualidade;
– iluminação.
Qualifique seu método com adjetivos como estes:
– científico;
– anti-espiritualista;
– malhação corpo-mente.
Sorria bastante, especialmente na execução das posturas mais difíceis (treine frente ao espelho, se for preciso). Avise às pessoas que as práticas que você ministra têm mais de 5.000 anos de garantia e existência comprovada. Invente um nome indiano para seu mestre imaginário e declare que você recebe instruções diretamente do além (tente não rir de si próprio ao fazer isso. Com o tempo, você irá se acostumar). Monte uma campanha de marketing e faça uma vernissage numa academia da moda para lançar sua criação.
Use slogans como estes:
– o exercício que traz força, flexibilidade e bem-estar;
– a mais nova onda em matéria de condicionamento físico;
– ginástica puxada;
– força, flexibilidade, equilíbrio e melhor condicionamento cardiovascular
(citações ipsis literis da reportagem da revista Veja de 19/11/2003).
Chame isto de yoginástica, bodyoga ou invente algum outro nome criativo. Pronto! Você já tem a receita perfeita. Há dezenas de milhares de ávidos praticantes desejosos de aumentar sua qualidade de vida aplicando seus ensinamentos “milenares” (mesmo se você não tiver a mínima ideia do que esteja fazendo). Como essa receita foi descrita inúmeras vezes por revistas especializadas em qualquer coisa, como Veja, Boa Forma, Nova e outras, não há como falhar.
Posteriormente, abra franquias, que lhe possibilitarão cobrar polpudos dividendos. Use gente bem jovem. Especialize-se nesse público, pois os jovens são mais fáceis de serem manipulados.
Quando for suficientemente rico, peça para seus discípulos organizarem uma doação de alimentos para campanhas beneficentes como Fome Zero ou Natal sem Fome. Certifique-se de chamar a imprensa ao fazer sua doação. Isso atrairá potenciais clientes e pode servir como uma lavagem de consciência (caso você tenha alguma. Se não tiver, esqueça).
Escreva sua autobiografia aos 35 anos. Invente, exagere ou distorça detalhes que possam tornar a leitura mais interessante (afinal de contas, uma biografia notável deve ser fabricada com fatos notáveis, heroicos ou nobres, que nem sempre coincidem com a vidinha normal que você tem). Não esqueça de colocar-se como empresário muito bem sucedido e feliz (mesmo que não seja).
Uma dica importante: repita o processo inteiro ao perceber que o interesse do público está começando a esmorecer. Se for preciso, desta vez use um turbante e roupas indianas. Exija que seus alunos o chamem de “mestre”. Nunca falha.
» por Não quero ser repetitivo com os temas que escolho para escrever no yoga.pro.br, mas as atuais circunstâncias nos mostram que alguns assuntos estão longe de se esgotar. Um deles é o tratamento patife e caricato que o Yoga está recebendo nos meios de comunicação. Do jeito que as coisas estão sendo apresentadas, esse sofisticado sistema de filosofia está ficando muito parecido com um cachorro vira-lata (com todo respeito pelos simpáticos quadrúpedes).
Para evitar que as coisas piorem, achei que seria uma boa ideia estipular um padrão mínimo de ensino para que essa tradição milenar não se perca. Dessa forma, e inspirado pelos cursos de nivelamento oferecidos pelos CREFs, criei um Curso Instantâneo de Formação. Igualmente, juntei a ele uma série de dicas importantes que podem ser aplicadas por aqueles que aspiram a ficar ricos ensinando Yoga, sem abrir mão da profundidade filosófica dos ensinamentos (tá bom, só um pouquinho!).
Agora, você pode aproveitar minha vasta experiência como megaempresário do Yoga para também ficar rico. Pela primeira vez na história, estou desvelando gratuitamente o segredo do sucesso de tantos gurus que prosperaram no Ocidente. A informação para esse curso foi retirada da mídia não especializada que, como todos sabemos, é a fonte de pesquisa mais fidedigna sobre as tradições ancestrais do Yoga.
Caso você esteja interessado em fazer sucesso e dinheiro aplicando esta receita de Yoga (aliás, já divulgada pela mídia), reúna ao longo de uma aula de 60 minutos os ingredientes listados a seguir. Para ensinar este tipo de Yoga, não se exige nenhuma experiência prévia. Só precisa ser bastante cara de pau e ter um pouco de criatividade. Esta fórmula é especialmente indicada para academias de ginástica:
Como apresentar-se:
– use roupas sensuais e apertadas (e dane-se a circulação);
– se você for mulher, pense num implante de silicone (mas só se for XG!);
– loirice sempre está de moda nas academias. Se você não for loira, pense em ficar loira;
– se você for homem, malhe bastante ferro e tome L-carnitina (suco de boi ralado, que ajuda a destacar os músculos);
– se não tiver tatuagens, faça-as;
– se já estiver tatuado, tatue-se mais, preferentemente com motivos hindus.
Acrescente à sua prática:
– algumas séries de saudação ao Sol;
– um pouco de alongamento;
– um pouco de contorcionismo;
– algumas séries de abdominais;
– uma postura de cabeça para baixo;
– alguns minutos de descanso.
Certifique-se de que as pessoas transpirem bastante. Para tanto, feche as janelas se for preciso. Fale bastante em queima de calorias.
Use expressões como estas:
– vamos lá, força!
– é isso aí, pessoal!
– puxa mais! (ou estica mais!)
– show!
– uhu!
Elimine qualquer menção à ética do Yoga, principalmente durante as práticas, para não distrair os alunos que estejam apreciando (ou invejando) alguma parte da anatomia ou a performance dos demais.
Evite fazer invocações, mantras ou visualizações que possam assustar seus alunos ou tirá-los de seus devaneios. Reduza os respiratórios e elimine sumariamente a meditação (afinal de contas, meditar é mesmo um saco!). Imposte a voz e esforce-se para fazer cara de inteligente.
Evite as seguintes palavras:
– filosofia;
– autoconhecimento;
– transcendência;
– espiritualidade;
– iluminação.
Qualifique seu método com adjetivos como estes:
– científico;
– anti-espiritualista;
– malhação corpo-mente.
Sorria bastante, especialmente na execução das posturas mais difíceis (treine frente ao espelho, se for preciso). Avise às pessoas que as práticas que você ministra têm mais de 5.000 anos de garantia e existência comprovada. Invente um nome indiano para seu mestre imaginário e declare que você recebe instruções diretamente do além (tente não rir de si próprio ao fazer isso. Com o tempo, você irá se acostumar). Monte uma campanha de marketing e faça uma vernissage numa academia da moda para lançar sua criação.
Use slogans como estes:
– o exercício que traz força, flexibilidade e bem-estar;
– a mais nova onda em matéria de condicionamento físico;
– ginástica puxada;
– força, flexibilidade, equilíbrio e melhor condicionamento cardiovascular
(citações ipsis literis da reportagem da revista Veja de 19/11/2003).
Chame isto de yoginástica, bodyoga ou invente algum outro nome criativo. Pronto! Você já tem a receita perfeita. Há dezenas de milhares de ávidos praticantes desejosos de aumentar sua qualidade de vida aplicando seus ensinamentos “milenares” (mesmo se você não tiver a mínima ideia do que esteja fazendo). Como essa receita foi descrita inúmeras vezes por revistas especializadas em qualquer coisa, como Veja, Boa Forma, Nova e outras, não há como falhar.
Posteriormente, abra franquias, que lhe possibilitarão cobrar polpudos dividendos. Use gente bem jovem. Especialize-se nesse público, pois os jovens são mais fáceis de serem manipulados.
Quando for suficientemente rico, peça para seus discípulos organizarem uma doação de alimentos para campanhas beneficentes como Fome Zero ou Natal sem Fome. Certifique-se de chamar a imprensa ao fazer sua doação. Isso atrairá potenciais clientes e pode servir como uma lavagem de consciência (caso você tenha alguma. Se não tiver, esqueça).
Escreva sua autobiografia aos 35 anos. Invente, exagere ou distorça detalhes que possam tornar a leitura mais interessante (afinal de contas, uma biografia notável deve ser fabricada com fatos notáveis, heroicos ou nobres, que nem sempre coincidem com a vidinha normal que você tem). Não esqueça de colocar-se como empresário muito bem sucedido e feliz (mesmo que não seja).
Uma dica importante: repita o processo inteiro ao perceber que o interesse do público está começando a esmorecer. Se for preciso, desta vez use um turbante e roupas indianas. Exija que seus alunos o chamem de “mestre”. Nunca falha.
- Artigo originalmente publicado em 25 de novembro de 2003 em yoga.pro.br, o site do Pedro [↩]
Não poderia deixar de comentar. Só fui ler mesmo o texto porque é do Pedro, e fiquei muito curiosa por ele postar algo com a chamada “ficar rico” (pensei, “ué???”), hehehehe. Mas, então… Infelizmente esse “Yoga” é o que temos visto por aí. É o preço da globalização. Valeu, Pedro! Sempre bom alertar!
Que bom que você gostou desse divertido, mas ao mesmo tempo preocupante, texto do Pedro, Consuelo! Fico feliz e muito agradecido por esse teu feedback aqui.
Alguma referência perto da realidade?
Boa pergunta, Livia.
Irônico, como sempre.
Certamente, Paulo.
Viiixeee…
Hahahaha…