Chega de remédios falsos
Diante da perspectiva de uma crise econômica, ética e moral, o Professor Hermógenes nos afirma, em 1998, a simples e eficiente receita de nos encontrarmos com o verdadeiro propósito do Yoga. Ele próprio já é um manifesto vivo. Mesmo assim, seu depoimento resulta numa fervorosa defesa da essência dessa prática milenar.
Adilson Cabral: Como foi o início de sua trajetória no Yoga?
Prof. Hermógenes: Meu encontro com o Yoga foi num quadro doloroso. Quando eu estava tuberculoso – e a tuberculose na época era igual a AIDS – entrei em contato com a Misericórdia Divina, com o verdadeiro Yoga, que é algo que se passa na mente e no espírito.
Apesar de ameaçado de morte e submetido a um forte tratamento na época, eu me via num pequeno quintal, sentado numa cadeira preguiçosa, e ali fui entrando em contato com aquilo que eu chamo hoje de Logoterapia – que é a parte da Yogaterapia de maior poder transformador, que é o nosso encontro com Deus.
Adilson Cabral: E qual a importância do domínio do corpo nessa sua descoberta?
Prof. Hermógenes: Eu comecei no Yoga pela parte filosófica e metafísica, e vivenciei momentos inesquecíveis de beleza e de paz, apesar de submetido ao sofrimento. Aí então eu vi a magnitude do Yoga, que é a união da alma individual com o Ser Supremo. O corpo não pode ser visto como outra coisa senão como um meio no Yoga. De outra forma estaríamos estimulando a promoção do ego pessoal, ou mesmo transformando o Yoga em ginástica.
Adilson Cabral: Conte-nos sobre o papel do Hatha Yoga na sua recuperação.
Prof. Hermógenes: Depois de superada a doença física, mas em virtude do tratamento químico ao qual me submeti e em virtude da recomendação de comer muito e descansar muito, eu estava fisicamente deformado – isso há 40 anos (2) – uma pessoa prematuramente idosa, com as articulações comprometidas. Isso só pode ser superado por um outro aspecto do Yoga, que é complementar àquele, um meio para chegar àquele, que é o Hatha Yoga. Aprendi Hatha Yoga como um desafio: escondido dos médicos, correndo o risco de me dar mal ou de superar aquela situação na qual me encontrava. Realizei as posturas com disciplina, diariamente, no início com uma dificuldade imensa, mas que não só me restaurou o físico, como me fez melhorar em relação ao que eu era antes da doença.
Adilson Cabral: Qual a sua opinião sobre essas novas vertentes do Yoga que valorizam exercícios físicos?
Prof. Hermógenes: Não se pode confundir o Yoga com a cultura do corpo, nem com o aspecto circense dos asanas. No Ocidente somos muito superficiais, achamos que o Yoga vai melhorar nosso físico e fazemos dele uma espécie de malhação. Para quê? Para cultuar o corpo, que em sânscrito tem o nome de “aquilo que vai ser destruído” ou “aquilo que vai ser cremado”. Isso é um desvio, que nos afasta cada vez mais da verdadeira essência do Yoga.
Adilson Cabral: Nesse sentido, a competição, que visa superar os limites do corpo através do Yoga é justamente o contrário dessa essência?
Prof. Hermógenes: Sem dúvida! Infelizmente já venho protestando contra “competições de yoga”. Isso é um absurdo contra o Yoga! A cultura única e exclusiva do corpo é anti-yoga, é ilusão. E o Yoga não pode ser vendido como se fosse um remédio falso. Ao nos fixarmos em samsara, cultuarmos Maya, estamos nos desviando daquilo que é o verdadeiro Yoga, nosso encontro com a Realidade Suprema.
Adilson Cabral: Mas a lapidação dos asanas também não faz parte desse encontro?
Prof. Hermógenes: Até certo ponto. Pra mim, os grandes yogis da humanidade foram Jesus Cristo, São Paulo, São Francisco de Assis… Eles nunca fizeram asanas. Eu dou muito valor aos asanas como um meio para chegar se a um fim transcendente, mas não podemos iludir as pessoas com o “yoga competitivo”. A doença do mundo chama-se egosclerose, ou hipertrofia do ego. No Yoga se aprende que há duas coisas que estragam a nossa vida: aham – a noção de que somos um ego, distinto e distante dos outros e de Deus – e mam – a noção de que todas essas coisas são minhas. Pode ler no jornal de hoje que todos os crimes escandalosos e todas as corrupções nascem dessa concepção. E o Yoga vem para nos salvar do egoísmo. Não é essa coisa inventada por ocidentais espertos, sem preocupação com a verdade… isso realmente me preocupa.
Adilson Cabral: Qual o conselho que o Sr. dá àqueles que buscam o Yoga visando sua auto realização?
Prof. Hermógenes: Que busquem realmente estudar o Yoga. Os fundamentos do Yoga na Bhagavad Gita, no Yoga Sutra de Patañjali, no Sermão da Montanha, no Dhammapada de Buddha. Em qualquer fonte que manifeste a sua essência. Não se iluda em afastar apenas os sintomas do que lhe aflige. Procure se aproximar d’Aquilo que você é em realidade e tenha em mente que sua verdadeira busca é a superação do ego.
Visite o site do Instituto Hermógenes em institutohermogenes.com.br
- Essa entrevista foi realizada por volta de 1998 e também publicada por Cristiano Bezerra (1971-) em 9 de setembro de 2001 em yoga.pro.br [↩]
- Por volta de 1957. (Nota do Editor) [↩]
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