Afinal, o que é Tantra?
Mauricio Wolff (1)
Tantra é um sistema de conceitualização do universo, um modo de explicar porque a existência existe e como ela funciona. Assim como os Vedas.
Segundo Herbert Von Guenter, estudioso do Buddhismo, os tantras “contém uma visão muito íntegra e saudável da vida”.
No seu livro Tantra, Georg Feuerstein afirma que o surgimento dos tantras deve-se ao fato deles serem mais adequados às necessidades da Kali Yuga, era caracterizada pela velocidade e preferência a ilusão à verdade.
É importante ressaltar: o Tantra é a filosofia, o sistema, o ponto de vista. Os tantras são as escrituras onde está exposto esse ponto de vista.
O Tantra pode ser encontrado no sul da Índia (como o Sri Vidya Tantra no sul, as linhagens do Bengala) ou nas tradições buddhistas. Durante a colonização inglesa ele foi praticamente condenado à clandestinidade, por ter algumas práticas que afrontavam o puritanismo inglês.
E aqui chegamos a um ponto crucial: “Ah, quer dizer que Tantra é antagônico ao puritanismo, ou seja, é libertino?”.
Não. O fato é que algumas práticas dentro da senda tântrica podem ser realmente não-convencionais, tanto corporal quanto mentalmente, com o intuito de quebrar condicionamentos do praticante. Mas isso pode assumir vários formatos, que variam da meditação ao ocultismo de filmes de terror. O que importa é a quebra de condicionamentos, o “sair da caixinha”. Por isso a necessidade de ser uma tradição de linhagem, onde os que sabem passam para os que querem saber. Caso contrário, o sujeito, ao invés de “sair da caixinha”, acaba entrando numa outra caixa. De areia de gato.
Isso não quer dizer que os tantras (livros) não tratem também de sexo, e que não haja práticas sexuais neles, assim como no Rg Veda existem práticas escandalosas. Esses são ritos, provavelmente muitos deles mal interpretados, ou levados ao pé da letra, quando não deveriam.
Sexo faz parte da vida animal, e, consequentemente da vida humana, assim como a respiração, e existem muitas práticas tântricas envolvendo somente a respiração.
O Kularnava Tantra (2, 112) afirma: “Beber vinho, comer carne e olhar fixamente no rosto do ser amado de alguém não são comportamentos que conduzam ao estado supremo”.
Outra afirmação que se faz do Tantra é que ele seria oposto ao Vedanta, o que soa um tanto absurdo, já que, assim como tudo na Índia, não existe uma fronteira clara das influências que um pode ter tido sobre o outro nesses milênios recentes. Se lembrarmos que o Hatha Yoga tem bases tântricas, e todos os professores sérios que conhecemos estudam Vedanta, logo se vê que uma distinção cartesiana entre os dois ou inexiste ou é totalmente sem importância.
Os Vedas não são somente livros de 20 a 30 centímetros traduzidos como divertimento por acadêmicos do século retrasado. São uma tradição oral milenar, onde, com o tempo, foram acrescentadas grandes mandalas de mantras (hinos), conhecidos como Rg, Sama, Yajur e Atharva. Ninguém pode dizer se daqui a alguns milênios os tantras se transformarão ou não no quinto Veda (e se isso é importante).
O Tantra procura responder à pergunta de como Um pode se tornar muitos, ou como a realidade definitiva, que é singular, pode dar origem aos incontáveis objetos que percebemos através dos nossos sentidos. Como o Único pode tornar-se muitos?
O Tantra procura responder essa pergunta desde uma perspectiva não dualista: o Único origina os incontáveis objetos que percebemos através dos sentidos apoiando-se no princípio da causalidade (lei do karma) e não na ideia de Maya, o mundo manifestado, como sendo uma ilusão. Assim como um vaso, uma estátua ou uma panela de barro são feitos do mesmo barro, cada objeto recebe diferentes nomes e executa diferentes funções.
Espero que esse breve artigo, fruto de alguns anos vendo de tudo um pouco, tenha ajudado a esclarecer um assunto tão em voga quanto mal compreendido. O mais importante, em se tratando de Tantra, é saber que se deve procurar uma tradição séria, pois você será ao mesmo tempo o experimentador e o sujeito da experiência. Experiência essa que pode levar à grande bem-aventurança, à união de Shiva-Shakti mencionada nos tantras.
» por Tantra é um sistema de conceitualização do universo, um modo de explicar porque a existência existe e como ela funciona. Assim como os Vedas.
Segundo Herbert Von Guenter, estudioso do Buddhismo, os tantras “contém uma visão muito íntegra e saudável da vida”.
No seu livro Tantra, Georg Feuerstein afirma que o surgimento dos tantras deve-se ao fato deles serem mais adequados às necessidades da Kali Yuga, era caracterizada pela velocidade e preferência a ilusão à verdade.
É importante ressaltar: o Tantra é a filosofia, o sistema, o ponto de vista. Os tantras são as escrituras onde está exposto esse ponto de vista.
O Tantra pode ser encontrado no sul da Índia (como o Sri Vidya Tantra no sul, as linhagens do Bengala) ou nas tradições buddhistas. Durante a colonização inglesa ele foi praticamente condenado à clandestinidade, por ter algumas práticas que afrontavam o puritanismo inglês.
E aqui chegamos a um ponto crucial: “Ah, quer dizer que Tantra é antagônico ao puritanismo, ou seja, é libertino?”.
Não. O fato é que algumas práticas dentro da senda tântrica podem ser realmente não-convencionais, tanto corporal quanto mentalmente, com o intuito de quebrar condicionamentos do praticante. Mas isso pode assumir vários formatos, que variam da meditação ao ocultismo de filmes de terror. O que importa é a quebra de condicionamentos, o “sair da caixinha”. Por isso a necessidade de ser uma tradição de linhagem, onde os que sabem passam para os que querem saber. Caso contrário, o sujeito, ao invés de “sair da caixinha”, acaba entrando numa outra caixa. De areia de gato.
Isso não quer dizer que os tantras (livros) não tratem também de sexo, e que não haja práticas sexuais neles, assim como no Rg Veda existem práticas escandalosas. Esses são ritos, provavelmente muitos deles mal interpretados, ou levados ao pé da letra, quando não deveriam.
Sexo faz parte da vida animal, e, consequentemente da vida humana, assim como a respiração, e existem muitas práticas tântricas envolvendo somente a respiração.
O Kularnava Tantra (2, 112) afirma: “Beber vinho, comer carne e olhar fixamente no rosto do ser amado de alguém não são comportamentos que conduzam ao estado supremo”.
Outra afirmação que se faz do Tantra é que ele seria oposto ao Vedanta, o que soa um tanto absurdo, já que, assim como tudo na Índia, não existe uma fronteira clara das influências que um pode ter tido sobre o outro nesses milênios recentes. Se lembrarmos que o Hatha Yoga tem bases tântricas, e todos os professores sérios que conhecemos estudam Vedanta, logo se vê que uma distinção cartesiana entre os dois ou inexiste ou é totalmente sem importância.
Os Vedas não são somente livros de 20 a 30 centímetros traduzidos como divertimento por acadêmicos do século retrasado. São uma tradição oral milenar, onde, com o tempo, foram acrescentadas grandes mandalas de mantras (hinos), conhecidos como Rg, Sama, Yajur e Atharva. Ninguém pode dizer se daqui a alguns milênios os tantras se transformarão ou não no quinto Veda (e se isso é importante).
O Tantra procura responder à pergunta de como Um pode se tornar muitos, ou como a realidade definitiva, que é singular, pode dar origem aos incontáveis objetos que percebemos através dos nossos sentidos. Como o Único pode tornar-se muitos?
O Tantra procura responder essa pergunta desde uma perspectiva não dualista: o Único origina os incontáveis objetos que percebemos através dos sentidos apoiando-se no princípio da causalidade (lei do karma) e não na ideia de Maya, o mundo manifestado, como sendo uma ilusão. Assim como um vaso, uma estátua ou uma panela de barro são feitos do mesmo barro, cada objeto recebe diferentes nomes e executa diferentes funções.
Espero que esse breve artigo, fruto de alguns anos vendo de tudo um pouco, tenha ajudado a esclarecer um assunto tão em voga quanto mal compreendido. O mais importante, em se tratando de Tantra, é saber que se deve procurar uma tradição séria, pois você será ao mesmo tempo o experimentador e o sujeito da experiência. Experiência essa que pode levar à grande bem-aventurança, à união de Shiva-Shakti mencionada nos tantras.
- Visite o site do Mauricio em mauriciowolff.com [↩]
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