A grandeza do professor e do ensinamento
Gloria Arieira (1953-), do Vidya Mandir (1)
Bênção é uma palavra e um sentimento que vêm sempre à minha mente quando penso sobre a forma como fui parar na Índia, com a esperança de aprender Vedanta, que na realidade eu nem sabia o que era exatamente. Eu poderia ter encontrado qualquer professor, que poderia ter me ensinado algo que me fizesse mais confusa, ou então me orientado para uma devoção fanática. Algo que me fizesse perder a objetividade. E como poderia eu fazer algum julgamento e escolha?! Dentro da ignorância, como se pode discriminar para onde ir e com quem estudar?! Considero, portanto, que somente bênção, ou muito punya (2), levou-me ao Swami Dayanandaji. E quanto mais não foi necessário para que eu pudesse lá ficar até aprender completa e adequadamente!
Swamiji é uma benção para todos os seus alunos, não só por ser compreensível, tolerante e carinhoso com todos, mas principalmente pela maneira clara com que ele ensina desde o começo, tornando claro o fato de Vedanta ser um meio de conhecimento, pramana, e não uma escola filosófica.
Essa consideração é fundamental para a compreensão de Vedanta. A mera curiosidade e a comparação com filosofias e religião transformaram-se em atitude de estudo e reflexão.
Compreendemos que o problema de busca de um ser feliz para nós mesmos é devido à ignorância de nosso Ser que é felicidade e completude, o Ser absoluto. E o desejo por esse conhecimento pode ser preenchido.
Desejo conhecer a mim mesmo, e, a cada nova compreensão a meu respeito, minha atitude acerca de mim mesmo e do mundo de objetos e pessoas muda. Essa mudança é imensa. Aos poucos, o impulso de fazer algo para ser diferente, ou para que o mundo de pessoas e coisas possa ser organizado de forma diferente para que eu possa então ser feliz desaparece.
O impulso de fazer algo e estar melhor do que agora estou transforma-se em desejo pela clareza do autoconhecimento. Essa clareza começa a existir pela minha compreensão do que é Vedanta, o conhecimento do Ser real, e de sua capacidade de me fazer ver um novo fato a meu respeito. Devido a essa atitude interna, desde o princípio sinto-me abençoada.
A apreciação de Vedanta como um meio de conhecimento em forma de palavras desenvolve-se em amor e respeito pelas palavras. Manifesta-se na preocupação com cada palavra pronunciada, escolhendo a palavra exata, usando-a para expressar uma ideia clara e completa. Essa atitude para com shabda (3), até mesmo no dia a dia, colabora para que ela faça a mágica de desvelar o significado exato contido nela, como acontece na transferência de visão de Vedanta, transmitida de professor a aluno.
As palavras têm que ser reverenciadas por ambos, professor e aluno, pois seu âmbito de trabalho para tornar claros os grandes paradoxos de Vedanta é o fio da navalha.
Na Kenopanishad, 1-6, encontramos a seguinte afirmação:
Yanmanasa na manute
(Aquele não é conhecido através da mente).
Atma, o Ser, chaitanyajyotih, não pode ser conhecido e objetificado pela mente, pois o Atma é manasah avabhasakam, o iluminador da mente.
Portanto, como pode a mente objetificar aquilo que é a essência de si mesmo? A mente pode funcionar e pensar somente porque é iluminada pela luz da Consciência, chaitanyajyotih. O Ser da mente é Atmabrahma. Como pode então objetificar a si mesmo?!
Outra shruti, a Brihadaranyaka Upanishad, 4:4-19, diz:
Manasa eva anudrastavyam
([Brahman] tem que ser conhecido através da mente somente).
Com uma mente purificada pelo escutar do conhecimento do Supremo, Brahman deve ser conhecido de acordo com o ensinamento do professor, que possui, ele mesmo, a compreensão clara.
Temos, então, duas declarações aparentemente contraditórias da mãe shruti.
A mente não pode conhecer Brahman, mas Ele tem que ser conhecido pela mente somente.
Considerando verdadeiras essas duas afirmações, a chave para sua compreensão é:
Brahma na drsyam drg eva
(Brahman não é objeto, mas sujeito).
A mente não pode conhecer Brahman, pois ele não é objeto a ser objetificado pela mente, como um pote ou uma casa. Todos os objetos são captados por um vritti, um pensamento, no qual o objeto fica estampado. Brahman não é objeto, mas o próprio sujeito, Atma, o Ser da mente. Portanto, não pode ser objetificado. Mas, sou ignorante de mim mesmo, o Ser completo. Quero conhecer a mim mesmo. Todo e qualquer conhecimento ocorre na mente. Portanto, se Brahman é para ser conhecido, tem que ser conhecido pela mente. Mas não como drsyam, um objeto, mas como drg eva, o próprio sujeito. E como é isso possível? Existe algum vritti, um pensamento, para esse tipo de conhecimento? O vritti é chamado akhandakaravritti, um vritti que está na forma de akhanda, que é não quebrado ou dividido.
Qualquer pensamento envolve três fatores: o sujeito (pensador), o objeto e a conexão entre os dois, que é o próprio pensamento, ou o ato de pensar.
O pensador objetifica algo diferente de si mesmo, que é refletido na mente na forma de pensamento, como, por exemplo, em “eu vejo um pote”, sendo “eu” o pensador e “pote” o objeto. E a mente assume a forma de pote. É chamado pensamento pote, ghatakaravritti. Aqui, a forma do vritti, akara, é akhanda, não dividida. Portanto, o sujeito, o objeto e o pensamento são idênticos. Temos, então, akhandakaravritti, o vritti na forma de conhecimento de mim mesmo como pura Consciência, que é ilimitada e completa.
Essa aquisição de Brahman se dá na forma de conhecimento. Brahman, sendo ilimitado, não pode ser criado. Tudo que é criado é limitado. Yad jatam tad anityam, o limitado tem um início e um fim, limitado em termos de tempo; também ocupa um determinado lugar, limitado em termos de espaço. Brahman, não nascendo e não tendo fim, tampouco sofre qualquer transformação. Não pode ser criado. É sempre Existência, Sat. Não ocupa um determinado espaço. É não dividido, um todo, o Ser de tudo, Atma.
A Consciência pura ilimitada, sendo sempre presente, como posso buscá-la?! Está sempre presente, não distante de mim mesmo, sendo meu Ser real; e, se estou buscando esse Ser, é porque falta clareza a meu próprio respeito.
Temos então outro paradoxo a ser desdobrado: Atma existe, experienciado por mim a todo momento, mas estou em busca desse Ser completo, Atma. O que quero é a aquisição do já adquirido, praptasya praptih.
E isso só pode ser jñana, através de conhecimento, o reconhecimento de que desejo o Ser completo que já sou.
Mas isso não é tão simples! É necessário que aquele que fala “veja” o que fala, e que aquele que deseja “ver” esteja preparado para isso.
Aquele que vê tem que possuir um método de abençoar o outro, fazendo com que ele também veja. Sendo compreensivo ao sentimento de limitação, com carinho e cuidado, aceitando o outro como estudante e possuindo uma visão clara e um método para fazer com que o outro veja como ele mesmo vê.
Para alcançar o Ser completo, que sou eu mesmo, necessito de conhecimento, e para isso é necessário um meio de conhecimento. O meio para o autoconhecimento na forma de palavras é Vedanta. As palavras adequadas têm que ser usadas por alguém que possua a visão clara do Ser e que aprendeu a maneira de usar o meio de conhecimento de forma que ele funcione. A pessoa que deseja esse autoconhecimento e anseia por ele, sendo abençoada com um professor (ou professora) adequado, que sabe ensinar, apreciará a si mesma passo a passo, cada vez mais claramente, como o Ser adequado e completo. Isso é liberdade. Isso é uma benção. Por tudo isso, sinto-me abençoada.
» por Bênção é uma palavra e um sentimento que vêm sempre à minha mente quando penso sobre a forma como fui parar na Índia, com a esperança de aprender Vedanta, que na realidade eu nem sabia o que era exatamente. Eu poderia ter encontrado qualquer professor, que poderia ter me ensinado algo que me fizesse mais confusa, ou então me orientado para uma devoção fanática. Algo que me fizesse perder a objetividade. E como poderia eu fazer algum julgamento e escolha?! Dentro da ignorância, como se pode discriminar para onde ir e com quem estudar?! Considero, portanto, que somente bênção, ou muito punya (2), levou-me ao Swami Dayanandaji. E quanto mais não foi necessário para que eu pudesse lá ficar até aprender completa e adequadamente!
Swamiji é uma benção para todos os seus alunos, não só por ser compreensível, tolerante e carinhoso com todos, mas principalmente pela maneira clara com que ele ensina desde o começo, tornando claro o fato de Vedanta ser um meio de conhecimento, pramana, e não uma escola filosófica.
Essa consideração é fundamental para a compreensão de Vedanta. A mera curiosidade e a comparação com filosofias e religião transformaram-se em atitude de estudo e reflexão.
Compreendemos que o problema de busca de um ser feliz para nós mesmos é devido à ignorância de nosso Ser que é felicidade e completude, o Ser absoluto. E o desejo por esse conhecimento pode ser preenchido.
Desejo conhecer a mim mesmo, e, a cada nova compreensão a meu respeito, minha atitude acerca de mim mesmo e do mundo de objetos e pessoas muda. Essa mudança é imensa. Aos poucos, o impulso de fazer algo para ser diferente, ou para que o mundo de pessoas e coisas possa ser organizado de forma diferente para que eu possa então ser feliz desaparece.
O impulso de fazer algo e estar melhor do que agora estou transforma-se em desejo pela clareza do autoconhecimento. Essa clareza começa a existir pela minha compreensão do que é Vedanta, o conhecimento do Ser real, e de sua capacidade de me fazer ver um novo fato a meu respeito. Devido a essa atitude interna, desde o princípio sinto-me abençoada.
A apreciação de Vedanta como um meio de conhecimento em forma de palavras desenvolve-se em amor e respeito pelas palavras. Manifesta-se na preocupação com cada palavra pronunciada, escolhendo a palavra exata, usando-a para expressar uma ideia clara e completa. Essa atitude para com shabda (3), até mesmo no dia a dia, colabora para que ela faça a mágica de desvelar o significado exato contido nela, como acontece na transferência de visão de Vedanta, transmitida de professor a aluno.
As palavras têm que ser reverenciadas por ambos, professor e aluno, pois seu âmbito de trabalho para tornar claros os grandes paradoxos de Vedanta é o fio da navalha.
Na Kenopanishad, 1-6, encontramos a seguinte afirmação:
(Aquele não é conhecido através da mente).
Atma, o Ser, chaitanyajyotih, não pode ser conhecido e objetificado pela mente, pois o Atma é manasah avabhasakam, o iluminador da mente.
Portanto, como pode a mente objetificar aquilo que é a essência de si mesmo? A mente pode funcionar e pensar somente porque é iluminada pela luz da Consciência, chaitanyajyotih. O Ser da mente é Atmabrahma. Como pode então objetificar a si mesmo?!
Outra shruti, a Brihadaranyaka Upanishad, 4:4-19, diz:
([Brahman] tem que ser conhecido através da mente somente).
Com uma mente purificada pelo escutar do conhecimento do Supremo, Brahman deve ser conhecido de acordo com o ensinamento do professor, que possui, ele mesmo, a compreensão clara.
Temos, então, duas declarações aparentemente contraditórias da mãe shruti.
A mente não pode conhecer Brahman, mas Ele tem que ser conhecido pela mente somente.
Considerando verdadeiras essas duas afirmações, a chave para sua compreensão é:
(Brahman não é objeto, mas sujeito).
A mente não pode conhecer Brahman, pois ele não é objeto a ser objetificado pela mente, como um pote ou uma casa. Todos os objetos são captados por um vritti, um pensamento, no qual o objeto fica estampado. Brahman não é objeto, mas o próprio sujeito, Atma, o Ser da mente. Portanto, não pode ser objetificado. Mas, sou ignorante de mim mesmo, o Ser completo. Quero conhecer a mim mesmo. Todo e qualquer conhecimento ocorre na mente. Portanto, se Brahman é para ser conhecido, tem que ser conhecido pela mente. Mas não como drsyam, um objeto, mas como drg eva, o próprio sujeito. E como é isso possível? Existe algum vritti, um pensamento, para esse tipo de conhecimento? O vritti é chamado akhandakaravritti, um vritti que está na forma de akhanda, que é não quebrado ou dividido.
Qualquer pensamento envolve três fatores: o sujeito (pensador), o objeto e a conexão entre os dois, que é o próprio pensamento, ou o ato de pensar.
O pensador objetifica algo diferente de si mesmo, que é refletido na mente na forma de pensamento, como, por exemplo, em “eu vejo um pote”, sendo “eu” o pensador e “pote” o objeto. E a mente assume a forma de pote. É chamado pensamento pote, ghatakaravritti. Aqui, a forma do vritti, akara, é akhanda, não dividida. Portanto, o sujeito, o objeto e o pensamento são idênticos. Temos, então, akhandakaravritti, o vritti na forma de conhecimento de mim mesmo como pura Consciência, que é ilimitada e completa.
Essa aquisição de Brahman se dá na forma de conhecimento. Brahman, sendo ilimitado, não pode ser criado. Tudo que é criado é limitado. Yad jatam tad anityam, o limitado tem um início e um fim, limitado em termos de tempo; também ocupa um determinado lugar, limitado em termos de espaço. Brahman, não nascendo e não tendo fim, tampouco sofre qualquer transformação. Não pode ser criado. É sempre Existência, Sat. Não ocupa um determinado espaço. É não dividido, um todo, o Ser de tudo, Atma.
A Consciência pura ilimitada, sendo sempre presente, como posso buscá-la?! Está sempre presente, não distante de mim mesmo, sendo meu Ser real; e, se estou buscando esse Ser, é porque falta clareza a meu próprio respeito.
Temos então outro paradoxo a ser desdobrado: Atma existe, experienciado por mim a todo momento, mas estou em busca desse Ser completo, Atma. O que quero é a aquisição do já adquirido, praptasya praptih.
E isso só pode ser jñana, através de conhecimento, o reconhecimento de que desejo o Ser completo que já sou.
Mas isso não é tão simples! É necessário que aquele que fala “veja” o que fala, e que aquele que deseja “ver” esteja preparado para isso.
Aquele que vê tem que possuir um método de abençoar o outro, fazendo com que ele também veja. Sendo compreensivo ao sentimento de limitação, com carinho e cuidado, aceitando o outro como estudante e possuindo uma visão clara e um método para fazer com que o outro veja como ele mesmo vê.
Para alcançar o Ser completo, que sou eu mesmo, necessito de conhecimento, e para isso é necessário um meio de conhecimento. O meio para o autoconhecimento na forma de palavras é Vedanta. As palavras adequadas têm que ser usadas por alguém que possua a visão clara do Ser e que aprendeu a maneira de usar o meio de conhecimento de forma que ele funcione. A pessoa que deseja esse autoconhecimento e anseia por ele, sendo abençoada com um professor (ou professora) adequado, que sabe ensinar, apreciará a si mesma passo a passo, cada vez mais claramente, como o Ser adequado e completo. Isso é liberdade. Isso é uma benção. Por tudo isso, sinto-me abençoada.
- Texto extraído do Informativo Vidya-Mandir, Ano III, nº 10, de novembro de 1991, do Vidya Mandir – Centro de Estudos de Vedanta e Sânscrito, do Rio de Janeiro, digitado por Cristiano Bezerra em 30 de março de 2003 e também publicado em yoga.pro.br. Visite o site do Vidya Mandir, da professora Gloria Arieira, em vidyamandir.org.br [↩]
- Virtude, mérito, bondade. (Nota do Digitador) [↩]
- Som interior super sutil, palavra, mantra. (Nota do Digitador) [↩]
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