Yoga é Yoga, não é união
Certa vez, o Professor Hermógenes (1921-2015) disse, em um encontro no espaço da Profª. Monserrat: “Devemos sim ser amorosos, mas não devemos abraçar um porco-espinho”.
O que isso quer dizer? Devemos nos unir a açougueiros, pecuaristas, políticos corruptos, gangues de rua, grupos neo-nazistas, seitas ou falsos líderes espirituais?
A tradução da palavra Yoga apenas como “união” leva algumas pessoas à errônea interpretação de que temos que abraçar a todos.
Mostro como esse conceito se baseia em premissas errôneas.
Se traduzirmos mouse como “rato”, e não explicarmos mais detalhadamente sobre o equipamento ligado ao computador e sua utilização, assimilamos o conceito de forma errada. O mesmo vale se traduzirmos beatles como “besouros”, e não explicarmos o contexto de uma banda de rock, que fez muito sucesso na década de 1960.
Em conversa recente que tive com o famoso professor Dharma Mittra, que reside em Nova York, conhecido como o professor dos professores, perguntei o que ele achava desses diferentes tipos de Yoga, ainda mais nos Estados Unidos, onde existe uma enorme proliferação de “trademarks yogas“.
Ele me respondeu que isso está relacionado com pessoas interessadas em ganhar dinheiro, em vender bem-estar ou fazer fama. E que sempre haverá público para isto. Ele se preocupa apenas em ensinar um caminho de elevação e liberação, se preocupa em promover compaixão, por isso ensina apenas “Yoga”.
Essa maravilhosa resposta me coloca diretamente em conexão com o Yoga Sutra, principal texto de referência no assunto.
E aqui uso a tradução/comentário do Prof. Desikachar, autêntico representante de uma das mais importantes tradições de praticantes da Índia:
1.2 yogasgcittavrittinirodah
Yoga é a habilidade de voltar a mente exclusivamente em direção a um objeto e sustentar essa direção sem quaisquer distrações.
1.39 yathabhimatadhyanadva
Toda a reflexão digna de interesse pode acalmar a mente.
3.50 tadvairagyadapi dosabijaksaye kaivalyam
A liberdade, o fim último do Yoga, só é alcançada quando se rejeita o desejo de adquirir conhecimento extraordinário e se controla completamente a fonte de obstáculos.
3.51 sthanyupanimantrane sangasmayakaranam punaranistaprasangat
A tentação de aceitar um status respeitoso, consequência do conhecimento adquirido por samyama, deve ser contida. De outra maneira, a pessoa enfrenta as mesmas consequências desagradáveis que surgem de todos os obstáculos ao Yoga.
Portanto, vemos que em nenhuma das explicações acima foi usada a palavra “união”, ou “unir-se a alguém, ou algo”. Porém encontramos muito relacionado a “acalmar a mente”, “refletir”, “rejeitar o que parece extraordinário”, e “conter tentações”.
Mas, ao tentar entender a mensagem do Professor Hermógenes, novamente reconheço sua sabedoria e entendimento. Ampla concordância com o texto de Patañjali:
1.33 maitrikarunamuditopeksanam suckhaduhkhapunyavisayanam bhavanatascittaprasadanm
Qualquer que seja a nossa atitude mental em relação a essas pessoas e suas ações, se pudermos sentir satisfação pelos que são mais felizes que nós, compaixão pelos que estão infelizes, alegria pelos que fazem coisas louváveis, e se os erros dos demais não nos afligem, nossa mente será muito tranquila.
Portanto, manter uma distância compassiva de pessoas infelizes que tomam ações errôneas também é praticar Yoga. Coincidentemente, esse também é um dos principais ensinamentos do Buddha, conforme ensinado por Thich Nhat Hanh, como a expressão do verdeiro amor, ou das Quatro Qualidades Incomensuráveis, ou Bhrama Vihara: Bondade Amorosa, Compaixão, Alegria e Equanimidade (Inexpectabilidade).
- Artigo originalmente publicado em julho de 2009 em cienciameditativa.blogspot.com. Visite o site do Vitor em cienciameditativa.com [↩]
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