Yoga é autoconhecimento
» por Cláudio Azevedo (1)
Palavra comum no Ocidente, o termo Yoga tem diversas acepções, de acordo com inúmeras escrituras:
“É a unificação das teias das dualidades” (Yoga Bija, 84)
“A união da psique individual (jiva) com o Si mesmo transcendental (paramatma)” (Yoga Yajnavalkya, 1.44)
“Yoga é êxtase” (Yoga Bhashya de Vyasa, 1.1)
Etimologicamente, a palavra pode derivar tanto do termo yuja (no sentido de ‘concentração’) quanto yuji (no sentido de ‘conjunção’). Em contextos raros, como no épico Mahabharata, refere-se ao adepto da tradição yogika, ou ao seguidor das tradições Vaisheshika e Nyaya. Restrito sensu, Yoga se refere ao Yoga Clássico proposto por Patañjali, na condição de darshana, um dos pontos de vistas filosóficos de interpretação dos Vedas. Tecnicamente, são os valores, atitudes, preceitos e técnicas espirituais desenvolvidas na Índia (os vários caminhos indianos de auto transcendência). Yoga é autoconhecimento.
Nesse sentido, para Swami Sivananda Sarasvati, Yoga é Viyoga, ou seja, Yoga é separação, no sentido de deixarmos de nos identificar (nos separarmos) com aquilo que, na verdade, não somos: nosso corpo físico, nosso corpo vital, nossa mente, nosso intelecto e nossa sensação de ‘eu’.
E o que é autoconhecimento? Autoconhecimento refere-se a conhecer o desconhecido em nós mesmos, aquilo que está registrado na parte de nossa consciência à qual chamamos de inconsciência por, normalmente, não termos percepção dela. Chamada de Inconsciente, essa porção da consciência é o objeto de estudo no autoconhecimento. Nesse contexto está o conhecimento daquilo a que Jung chamou de Sombra, aquilo que negamos em nós mesmos por acharmos feio e inapropriado.
Autoconhecimento não se trata de negar ou abraçar nossa Sombra, mas de conhecê-la, respeitá-la e integrá-la em nossa psique, única forma de darmos novo significado e função a essa parte esquecida nossa. É nesse sentido que o verso 1:33 do Yoga Sutra exorta: (I-33) “Cultivar atitudes de cordialidade perante sintomas agradáveis, de compaixão perante sintomas dolorosos, alegria perante o virtuoso e equanimidade perante o injusto”.
Patañjali estava descrevendo os obstáculos à prática do samadhi (entrar em contato com pensamentos agradáveis, dolorosos, virtuosos e injustos), pois levam à distração da mente (Yoga Sutra I-30 a I-32) e nesse sentido ‘prescreveu’ sete práticas (Yoga Sutra I-33 a I-39) e a primeira delas é a descrita acima. Esse verso não recomenda, de forma nenhuma, a nos afastarmos desses pensamentos, mas apenas é uma recomendação para transcendê-los, se eles surgirem e forem motivo de distrações.
Em nossa vida diária, não significa nos afastarmos do diferente, mas transcendermos a diferença pela cordialidade (ou amor), compaixão, alegria e equanimidade. Transcender é superar os opostos pela sua integração, nos colocarmos em um outro nível, no nível da Única Realidade, que é a Unidade de todas as coisas. Essa é a prescrição feita pelo Vedanta!
Jean-Yves Leloup fala de contrapor nossos demônios pela simples presença de nossos anjos, e Lama Padma Samten fala de dar um novo significado, resignificar, a nossa natureza demoníaca. Foi isso o que Jesus fez, quando “retirou” os sete demônios de Maria Madalena, apenas mostrando-lhe os anjos que já existiam nela…
S.S. XIV Dalai Lama, prêmio Nobel da Paz, sempre brinca dizendo: “que tipo de amor é o de vocês, aquele que só existe se o outro sorrir?”. Esse tipo de amor está baseado em quanto estamos recebendo e, por isso, é frágil. Lama Padma Samten fala das Quatro Qualidades Incomensuráveis: “A primeira é a compaixão, o desejo que os seres realizem sua natureza interna e se livrem de suas complicações. Essencialmente é o desejo que o outro supere suas dificuldades e possa melhorar. Atenção: compaixão é diferente de “pena”. Quando temos pena, estamos validando a imagem que a pessoa faz de si mesmo, e justamente por isso ela está mal. Compaixão é reconhecer no outro a sua natureza estável, perfeita, de luz, sua condição verdadeira, quebrando o encanto dos jogos que estão produzindo as complicações. A segunda é o amor, o desejo de que o outro seja feliz, completamente. Não exclui ex-maridos, ex-esposas, ex-sócios… Depois a alegria, a capacidade de se alegrar com as alegrias e vitórias dos outros, pequenas ou grandes. É um poderoso antídoto contra a inveja. Finalmente, a equanimidade: perceber as flutuações das alegrias e tristezas da vida; num momento se tem uma grande alegria, em outro aquilo mesmo vira uma grande tristeza. Surge uma serenidade estável frente a essas flutuações e uma fé permanente, inabalável na natureza de todos os Buddhas, que é a sua própria natureza.”
Atire a primeira pedra quem não tiver demônios, a serem integrados e transcendidos por nossa natureza divina de filhos de Deus. Nesse sentido, o Yoga está presente em todas as Tradições de Sabedoria: Yoga é autoconhecimento, chave para a Auto realização!
- Artigo originalmente publicado em 23 de agosto de 2009. [↩]
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