O Yoga e a bicicleta
Goura Nataraj (Jorge Brand) (1979-) (1)
A relação do ser humano com o seu habitat envolve necessariamente a questão do seu deslocamento nesse habitat. Meios de transporte que estejam mais em sintonia com a natureza se tornarão mais e mais requisitados, desde que a sustentação do esquema do óleo – petro-óleo – têm se mostrado como uma das coisas mais desastrosas nas quais a humanidade já se meteu.
Podemos pensar desde os numerosos vazamentos nas praias e mares, com consequências duradouras aos locais onde ocorreram tais incidentes (Galícia, Alasca, Paranaguá, Rio Iguaçu, Líbano etc), até a poluição das cidades onde se torna cada vez mais desagradável ter que pegar o carro para fazer algum deslocamento qualquer devido às inúmeras complicações que ele provoca.
A cultura do petróleo deve ser questionada. À ela está atrelada uma série de vícios sociais – ter um carro é um status, o carro é um símbolo, não é apenas um meio de transporte. Para termos nosso carro precisamos de estradas, combustível – e sim, vamos concordar com os nossos economistas, é essa indústria que atualmente sustenta o sistema financeiro mundial.
Mas, até que ponto devemos considerar isso desejável? Quantas pessoas não são mortas todos os dias por essas máquinas, pela pressa injustificável do esquema à que estamos submetidos, a saber: trabalhar-consumir-trabalhar?
É esse o mesmo sistema que coloca o lucro sempre acima das relações sociais, que não tem nenhum problema moral em justificar o trabalho infantil ou a exploração de mão-de-obra barata para os seus próprios fins?
Sim, os carros são úteis e são uma das maravilhas do engenho humano – não estamos propondo aqui a abolição dos automóveis – apenas o seu uso sensato e equilibrado – pois, convenhamos, invoquemos o bom senso (aquilo que todos, teoricamente, segundo Descartes, temos de sobra, ou pelo menos achamos que temos) e analisemos imparcialmente a questão.
Coloque-se de um lado a bicicleta e do outro o automóvel. De um lado temos um transporte que favorece e melhora nossa saúde, nos coloca na rua, em contato direto com o que acontece ao ar livre, é não poluente, é autossustentável em termos de combustível, exige apenas nosso próprio esforço e é muito mais agradável e esteticamente mais bonito. Do outro lado temos o carro – poluente, que nos torna mais e mais passivos, exige toda uma indústria agressiva para se locomover, ocupa o espaço de pelo menos 4 bicicletas, provoca mortes e acidentes diariamente. É um minotauro moderno ao qual devemos oferecer sacrifícios constantes.
De fato, poderíamos até refletir sobre a atual passividade da vida moderna – com seus prazeres passivos, divertimentos que não estimulam a criatividade, e toda sua estrutura de alienação e esquecimento de si – e o seu símbolo maior: o automóvel.
E o que o Yoga tem a ver com tudo isto? Em primeiro lugar um yogi é alguém consciente de si e de seu habitat – portanto questionar a cultura do automóvel e tudo o que ela representa está dentro do projeto yogiko. Podemos até pensar na bicicleta como um complemento aeróbico para os exercícios de asanas. Podemos diminuir o karma negativo desta Kali Yuga usando mais a bicicleta, tentando ir ao trabalho ou aos nossos estudos com ela; forçando a sociedade a reconhecer a insensatez do esquema atual e a revolução que as duas rodas podem nos proporcionar.
Um deslocamento feito de bicicleta é sempre uma experiência de interação com o mundo, de reconhecimento dos percursos, das pessoas e do que nos rodeia. A bicicleta é, de fato, o meio de transporte anarquista – ela favorece a independência e a liberdade dos indivíduos.
“Sou feio, mas posso comprar a mais bela mulher. Portanto não sou feio, pois o efeito da feiura, sua força afugentadora, é aniquilado pelo dinheiro.
“Segundo minha individualidade, sou inválido, mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés (Ou quatro rodas!!). Portanto, não sou inválido.
“Sou um homem mau, sem honra, sem caráter e sem espírito, mas o dinheiro é honrado e, portanto também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo; logo, é bom o seu possuidor; o dinheiro poupa-me, além disso, o trabalho de ser desonesto, logo presume-se que sou honesto.
“Sou estúpido, mas o dinheiro é o espírito real de todas as coisas. Como poderia seu possuidor ser um estúpido? Além disso, seu possuidor pode comprar as pessoas inteligentes e quem tem o poder sobre os inteligentes não é mais inteligente que o inteligente? Eu, que mediante o dinheiro posso tudo a que o coração humano aspira, não possuo todas as capacidades humanas? Não transforma meu dinheiro, então, todas as minhas incapacidades em seu contrário?
“Se o dinheiro é o laço que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que me liga com a natureza e com o homem, não é o dinheiro o laço de todos os laços? Não pode ele atar e desatar todos os laços? Não é por isso também o meio geral de separação? É a verdadeira marca divisória, assim como o verdadeiro meio de união, a força (…) química da sociedade.”
(MARX, Karl, Manuscritos Econômico-Filosóficos)
» por A relação do ser humano com o seu habitat envolve necessariamente a questão do seu deslocamento nesse habitat. Meios de transporte que estejam mais em sintonia com a natureza se tornarão mais e mais requisitados, desde que a sustentação do esquema do óleo – petro-óleo – têm se mostrado como uma das coisas mais desastrosas nas quais a humanidade já se meteu.
Podemos pensar desde os numerosos vazamentos nas praias e mares, com consequências duradouras aos locais onde ocorreram tais incidentes (Galícia, Alasca, Paranaguá, Rio Iguaçu, Líbano etc), até a poluição das cidades onde se torna cada vez mais desagradável ter que pegar o carro para fazer algum deslocamento qualquer devido às inúmeras complicações que ele provoca.
A cultura do petróleo deve ser questionada. À ela está atrelada uma série de vícios sociais – ter um carro é um status, o carro é um símbolo, não é apenas um meio de transporte. Para termos nosso carro precisamos de estradas, combustível – e sim, vamos concordar com os nossos economistas, é essa indústria que atualmente sustenta o sistema financeiro mundial.
Mas, até que ponto devemos considerar isso desejável? Quantas pessoas não são mortas todos os dias por essas máquinas, pela pressa injustificável do esquema à que estamos submetidos, a saber: trabalhar-consumir-trabalhar?
É esse o mesmo sistema que coloca o lucro sempre acima das relações sociais, que não tem nenhum problema moral em justificar o trabalho infantil ou a exploração de mão-de-obra barata para os seus próprios fins?
Sim, os carros são úteis e são uma das maravilhas do engenho humano – não estamos propondo aqui a abolição dos automóveis – apenas o seu uso sensato e equilibrado – pois, convenhamos, invoquemos o bom senso (aquilo que todos, teoricamente, segundo Descartes, temos de sobra, ou pelo menos achamos que temos) e analisemos imparcialmente a questão.
Coloque-se de um lado a bicicleta e do outro o automóvel. De um lado temos um transporte que favorece e melhora nossa saúde, nos coloca na rua, em contato direto com o que acontece ao ar livre, é não poluente, é autossustentável em termos de combustível, exige apenas nosso próprio esforço e é muito mais agradável e esteticamente mais bonito. Do outro lado temos o carro – poluente, que nos torna mais e mais passivos, exige toda uma indústria agressiva para se locomover, ocupa o espaço de pelo menos 4 bicicletas, provoca mortes e acidentes diariamente. É um minotauro moderno ao qual devemos oferecer sacrifícios constantes.
De fato, poderíamos até refletir sobre a atual passividade da vida moderna – com seus prazeres passivos, divertimentos que não estimulam a criatividade, e toda sua estrutura de alienação e esquecimento de si – e o seu símbolo maior: o automóvel.
E o que o Yoga tem a ver com tudo isto? Em primeiro lugar um yogi é alguém consciente de si e de seu habitat – portanto questionar a cultura do automóvel e tudo o que ela representa está dentro do projeto yogiko. Podemos até pensar na bicicleta como um complemento aeróbico para os exercícios de asanas. Podemos diminuir o karma negativo desta Kali Yuga usando mais a bicicleta, tentando ir ao trabalho ou aos nossos estudos com ela; forçando a sociedade a reconhecer a insensatez do esquema atual e a revolução que as duas rodas podem nos proporcionar.
Um deslocamento feito de bicicleta é sempre uma experiência de interação com o mundo, de reconhecimento dos percursos, das pessoas e do que nos rodeia. A bicicleta é, de fato, o meio de transporte anarquista – ela favorece a independência e a liberdade dos indivíduos.
“Aquilo que mediante o dinheiro é para mim, o que posso pagar, isto é, o que o dinheiro pode comprar, isso sou eu, o possuidor do próprio dinheiro. Minha força é tão grande como a força do dinheiro. As qualidades do dinheiro – qualidades e forças essenciais – são minhas, de seu possuidor. O que eu sou e o que eu posso não são determinados de modo algum por minha individualidade.No site bicicletada.org tem várias informações e outras coisas legais sobre a revolução das bikes. O blog apocalipsemotorizado.net também é muito legal e é um bom fórum para se trocar ideias e ficar a par do que acontece.
Pra finalizar esse acréscimo ao sutra da bicicleta anarquista, insiro abaixo uma pequena e inofensiva paráfrase das palavras de Marx – cuja crítica do capital se aplica naturalmente a nossa crítica do automóvel – o símbolo moderno do capital.
Harih Om!
“Sou feio, mas posso comprar a mais bela mulher. Portanto não sou feio, pois o efeito da feiura, sua força afugentadora, é aniquilado pelo dinheiro.
“Segundo minha individualidade, sou inválido, mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés (Ou quatro rodas!!). Portanto, não sou inválido.
“Sou um homem mau, sem honra, sem caráter e sem espírito, mas o dinheiro é honrado e, portanto também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo; logo, é bom o seu possuidor; o dinheiro poupa-me, além disso, o trabalho de ser desonesto, logo presume-se que sou honesto.
“Sou estúpido, mas o dinheiro é o espírito real de todas as coisas. Como poderia seu possuidor ser um estúpido? Além disso, seu possuidor pode comprar as pessoas inteligentes e quem tem o poder sobre os inteligentes não é mais inteligente que o inteligente? Eu, que mediante o dinheiro posso tudo a que o coração humano aspira, não possuo todas as capacidades humanas? Não transforma meu dinheiro, então, todas as minhas incapacidades em seu contrário?
“Se o dinheiro é o laço que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que me liga com a natureza e com o homem, não é o dinheiro o laço de todos os laços? Não pode ele atar e desatar todos os laços? Não é por isso também o meio geral de separação? É a verdadeira marca divisória, assim como o verdadeiro meio de união, a força (…) química da sociedade.”
(MARX, Karl, Manuscritos Econômico-Filosóficos)
Leia na sequência:
O Yoga e a bicicleta
Ideias para uma relação entre o Yoga e o Ciclismo
Bicicleta, ahimsa e a cultura do automóvel
- Artigo originalmente publicado em 11 de setembro de 2006 em yoga.pro.br. Visite o Blog do Goura (Jorge), em atmatattva.wordpress.com, a sua página na Wikipédia, em pt.wikipedia.org/wiki/Goura_Nataraj, a sua página no Facebook, em facebook.com/mandatogoura, o seu perfil no Instagram, em instagram.com/goura_nataraj, e o seu Flickr, em flickr.com/photos/gouranataraj [↩]
Muito interessante. O conteúdo desse texto é muito relevante, e sem dúvida nos leva a refletir sobre a nossa situação em torno das complicações sociais causadas pelos meios de transporte e suas implicações. Mas, diante de tantos obstáculos, principalmente o perigo que é ser ciclista numa cidade como Fortaleza, nos vemos diante da necessidade de expandir esse pensamento para uma compreensão em massa desses aspectos. Consciência e ação. Coração e mente. Ahow!
Que bom que você também gostou desse texto, Lia! E muitíssimo grato por esse teu comentário e rica reflexão aqui.