A história da civilização da Índia
Gloria Arieira (1953-), do Vidya Mandir (1)
Ao entrar em contato com o vasto conhecimento dos Vedas, nos deparamos constantemente com a tentativa de marcar datas para a história da cultura e da população indiana, entender sua origem genética e determinar a antiguidade e, portanto, a originalidade do conteúdo dos Vedas.
Max Müller, na primeira metade do século XIX, e outros estudiosos europeus difundiram a teoria da invasão ariana, povo originado da Europa e/ou Ásia Central que teria entrado na Índia pelo noroeste do país. Essa teoria, que rouba o valor, a originalidade e a antiguidade dos Vedas, viria a ser aceita como verdadeira, mesmo por estudiosos indianos, até recentemente, muito após a independência da Índia em 1947.
Ela afirma que, 1.500 anos antes da era cristã, pastores nômades semibárbaros, vindos da Ásia Central ou norte da Europa, cuja língua é indo-europeia, chamados arianos, vieram para o continente indiano. Ao chegar ao vale do rio Indus, encontraram uma civilização muito antiga, cujos habitantes eram os dravidianos. Os arianos invasores atacaram e destruíram essa civilização. Esse povo fugiu para o sul da Índia. Foram esses arianos que compuseram os Vedas em sânscrito e desenvolveram a grande civilização ao redor do rio Ganges.
Essa teoria foi se estabelecendo como verdadeira pela urgente necessidade dos britânicos de eliminar o valor pela cultura do país que queriam dominar e extrair todas as riquezas materiais que lá haviam. Tiveram que diminuir e até eliminar o valor da civilização védica, e assim fizeram através de uma bem programada e sistemática campanha que menosprezou a cultura, a civilização e a sociedade védicas, incluindo suas origens, como podemos ver em filmes, livros e relatos históricos.
Apesar de muitos relatos de admiração e profunda apreciação, de gregos antigos a modernos europeus, pela Índia, por seu povo e civilização, durante a colonização britânica muito se falou sobre o “primitivismo do hinduísmo” em contraste com “a verdadeira religião cristã”.
Infelizmente, ao mesmo tempo, estudiosos autodidatas europeus adquiriram o conhecimento do sânscrito, e, não entendendo o que liam, contribuíram para denegrir a imagem da Índia e de sua rica e profunda cultura e conhecimento.
Max Müller, que nunca foi à Índia, escreve que a literatura antiga indiana não tem mais valor do que fábulas e canções e tradições de nações selvagens. Depois de tentar entender os Vedas em vão, declara: “o que pode ser mais tedioso do que o Veda? Seus hinos não fazem qualquer sentido!”. Seus estudos e traduções dos Vedas não têm valor de autenticidade, porém até hoje são autoridades para o mundo ocidental!
Foram os europeus que criaram divisões na sociedade da Índia e incentivaram o conflito entre castas. Sabiam que dividindo o povo seria mais fácil governar e mesmo converter. Tal incentivo criou uma divisão entre o Sul, a dita raça dravidiana, e o Norte, dito ariano, o que criou muitos conflitos, inclusive preconceito contra o próprio Veda, que seria ariano. Com essa confusão foi mais fácil converter o povo ao Cristianismo.
Não se pode deixar de citar o inglês Thomas B. Macauly, que afirmou que o Hinduísmo derivou-se de “uma literatura reconhecida como de pouco valor intrínseco… com erros sérios em todos os assuntos importantes… desprovido de razão, de moral… de superstições monstruosas”.
Se analisarmos arqueologicamente, temos como plataforma a civilização de Mohenjo-daro e Harappa no vale do rio Indus. Arqueólogos, como o francês Jean-François Jarrige, dataram o estabelecimento dessa civilização em 6000 a.C. Descrevem o desenvolvimento urbano encontrado como muito sofisticado e só conhecido na Europa 2.000 anos mais tarde.
Não há qualquer evidência de guerra que possa ter aniquilado essa civilização, como a suposta invasão de arianos. Há evidências de que o rio Sarasvati mudou seu curso várias vezes, devido a inundações, e o sítio sofreu com terremotos, além da seca que tomou conta da Ásia a oeste e ao sul.
Entre 2000-1900 a.C., o rio finalmente secou. Porém, é interessante saber que nessa área, o deserto do Rajastão, há água a 50 ou 60 metros abaixo do leito seco do rio. O Central Arid Zone Research Institute, de Jodhpur, mapeou o rio Sarasvati com imagens de satélites e fotografias aéreas e pesquisas de campo.
Existem hoje outros argumentos contra o mito da invasão ariana. Estudiosos afirmam que não existe raça ariana e muito menos dravidiana. Considera-se raça em sentido geográfico ou agrupamentos de tipos humanos, como asiáticos, europeus e africanos. Arqueólogos biólogos, tendo analisado os esqueletos dos sítios de Harappa e Mohenjo-daro, afirmam não haver características biológicas específicas para a afirmação de um tipo diferente chamado ariano ou dravidiano.
Em 2006, numa Conferência na Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, estudiosos informaram sobre pesquisas arqueológicas e astronômicas que concluem que a civilização indiana e sua população é indígena. Afirmam ainda que o povo original do subcontinente indiano e sua cultura seriam muito possivelmente a origem genética, linguística e cultural da maior parte do mundo.
O Dr. V.K. Kashyap, do National Institute of Biologicals, Índia, afirma na mesma conferência que não há qualquer evidência genética de invasão de um povo indu-ariano na Índia.
Quanto à língua sânscrita ter se originado numa língua chamada indo-europeia, não há evidência da existência dessa língua, tampouco de um lugar onde determinado povo que falasse tal língua estivesse estabelecido. Aliás, o estudioso Koenraad Elst defende a ideia de que é da Índia que se originaram tantas outras línguas por volta de 6000 a.C. Além disso, as línguas chamadas dravidianas, como tamil, telugu e mallayalam, têm forte conexões com o sânscrito, e estão mais ligadas a ele do que outras línguas chamadas indo-europeias, como o eslavo, o báltico, itálico, germano, celta e línguas derivadas dessas.
Encontramos nos Vedas cálculos matemáticos precisos como de solstícios e equinócios por volta de 8500 a.C., o que faz com que a data do Veda seja anterior. Le Gentil, astrônomo francês que viveu muitos anos na Índia, reconhece que o fabuloso conhecimento indiano não existia em nenhum outro lugar, nem na China e nem no Egito antigo. Hoje é sabido que são da Índia a invenção do sistema decimal, dos números chamados arábicos e o conceito do zero.
Os sábios antigos do Rg Veda sabiam que a distância entre o Sol e a Terra é por volta de 108 vezes o diâmetro do Sol; conheciam o período dos 5 planetas (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) e já haviam determinado o ano solar em 365 e 366 dias, milhares de anos antes desse conhecimento aparecer no Egito, na Babilônia ou na Grécia.
Podemos concluir que a teoria de que a civilização indiana teve origem fora da Índia é falsa. Interesses políticos e econômicos levaram à criação de tal doutrina, apresentada como certa e indiscutível, e que só se sustentou enquanto não foi questionada e analisada.
A Índia é o berço da mais antiga tradição de que se tem conhecimento, e, o que é mais incrível, essa tradição em todo seu esplendor está viva até hoje, e faz referência a todas as áreas do saber humano. Essa tradição tem sido mantida por mais de 6.000 anos através de uma complexa e rica tradição oral, de uma geração a outra, até os nossos dias. Por isso, é adequado o termo Bharata Mata, “Mãe Índia”, pois sua cultura e língua são anteriores a de todas as outras civilizações que se têm conhecimento hoje.
O conhecimento da Índia é imenso, profundo e envolve todas as áreas da vida humana. O fato de que tem sido preservado até hoje denuncia uma riqueza intrínseca a ele e eterna atualidade, pois sabemos que o ser humano não gasta seu tempo protegendo o que não lhe é útil. Através do tempo e em todo o continente indiano há uma mesma cultura que carrega um grande tesouro, que é ao mesmo tempo secreto, pois só se desvela àqueles que a procuram e reverenciam.
A cultura védica não é um somatório de partes, sejam elas geograficamente distantes, ou aparentemente diferente nas várias formas religiosas, artístico-culturais, linguística, relacionada à alimentação ou vestiário. Todas essas expressões são derivadas de um único Veda, que desvela uma verdade única, a qual é sua alma transcendental, apesar da relativa diferença nas formas. O espírito védico continua vivo e continuará, apesar das mudanças que o mundo moderno pode produzir na expressão de sua forma, pois ele existe além da forma.
O antigo espírito védico, Sanathana Dharma, está vivo no coração dos milhões que ainda hoje se dedicam a mergulhar em sua riqueza e desvelar seus segredos. Mais do que demarcar datas e local para a tradição védica, seremos abençoados ao mergulharmos em sua tradição oral viva e vislumbrarmos sua riqueza ilimitada, a afirmação desvelada de que a verdade única, absoluta e imortal é a natureza essencial do ser humano e de todo o universo.
» por Ao entrar em contato com o vasto conhecimento dos Vedas, nos deparamos constantemente com a tentativa de marcar datas para a história da cultura e da população indiana, entender sua origem genética e determinar a antiguidade e, portanto, a originalidade do conteúdo dos Vedas.
Max Müller, na primeira metade do século XIX, e outros estudiosos europeus difundiram a teoria da invasão ariana, povo originado da Europa e/ou Ásia Central que teria entrado na Índia pelo noroeste do país. Essa teoria, que rouba o valor, a originalidade e a antiguidade dos Vedas, viria a ser aceita como verdadeira, mesmo por estudiosos indianos, até recentemente, muito após a independência da Índia em 1947.
Ela afirma que, 1.500 anos antes da era cristã, pastores nômades semibárbaros, vindos da Ásia Central ou norte da Europa, cuja língua é indo-europeia, chamados arianos, vieram para o continente indiano. Ao chegar ao vale do rio Indus, encontraram uma civilização muito antiga, cujos habitantes eram os dravidianos. Os arianos invasores atacaram e destruíram essa civilização. Esse povo fugiu para o sul da Índia. Foram esses arianos que compuseram os Vedas em sânscrito e desenvolveram a grande civilização ao redor do rio Ganges.
Essa teoria foi se estabelecendo como verdadeira pela urgente necessidade dos britânicos de eliminar o valor pela cultura do país que queriam dominar e extrair todas as riquezas materiais que lá haviam. Tiveram que diminuir e até eliminar o valor da civilização védica, e assim fizeram através de uma bem programada e sistemática campanha que menosprezou a cultura, a civilização e a sociedade védicas, incluindo suas origens, como podemos ver em filmes, livros e relatos históricos.
Apesar de muitos relatos de admiração e profunda apreciação, de gregos antigos a modernos europeus, pela Índia, por seu povo e civilização, durante a colonização britânica muito se falou sobre o “primitivismo do hinduísmo” em contraste com “a verdadeira religião cristã”.
Infelizmente, ao mesmo tempo, estudiosos autodidatas europeus adquiriram o conhecimento do sânscrito, e, não entendendo o que liam, contribuíram para denegrir a imagem da Índia e de sua rica e profunda cultura e conhecimento.
Max Müller, que nunca foi à Índia, escreve que a literatura antiga indiana não tem mais valor do que fábulas e canções e tradições de nações selvagens. Depois de tentar entender os Vedas em vão, declara: “o que pode ser mais tedioso do que o Veda? Seus hinos não fazem qualquer sentido!”. Seus estudos e traduções dos Vedas não têm valor de autenticidade, porém até hoje são autoridades para o mundo ocidental!
Foram os europeus que criaram divisões na sociedade da Índia e incentivaram o conflito entre castas. Sabiam que dividindo o povo seria mais fácil governar e mesmo converter. Tal incentivo criou uma divisão entre o Sul, a dita raça dravidiana, e o Norte, dito ariano, o que criou muitos conflitos, inclusive preconceito contra o próprio Veda, que seria ariano. Com essa confusão foi mais fácil converter o povo ao Cristianismo.
Não se pode deixar de citar o inglês Thomas B. Macauly, que afirmou que o Hinduísmo derivou-se de “uma literatura reconhecida como de pouco valor intrínseco… com erros sérios em todos os assuntos importantes… desprovido de razão, de moral… de superstições monstruosas”.
Se analisarmos arqueologicamente, temos como plataforma a civilização de Mohenjo-daro e Harappa no vale do rio Indus. Arqueólogos, como o francês Jean-François Jarrige, dataram o estabelecimento dessa civilização em 6000 a.C. Descrevem o desenvolvimento urbano encontrado como muito sofisticado e só conhecido na Europa 2.000 anos mais tarde.
Não há qualquer evidência de guerra que possa ter aniquilado essa civilização, como a suposta invasão de arianos. Há evidências de que o rio Sarasvati mudou seu curso várias vezes, devido a inundações, e o sítio sofreu com terremotos, além da seca que tomou conta da Ásia a oeste e ao sul.
Entre 2000-1900 a.C., o rio finalmente secou. Porém, é interessante saber que nessa área, o deserto do Rajastão, há água a 50 ou 60 metros abaixo do leito seco do rio. O Central Arid Zone Research Institute, de Jodhpur, mapeou o rio Sarasvati com imagens de satélites e fotografias aéreas e pesquisas de campo.
Existem hoje outros argumentos contra o mito da invasão ariana. Estudiosos afirmam que não existe raça ariana e muito menos dravidiana. Considera-se raça em sentido geográfico ou agrupamentos de tipos humanos, como asiáticos, europeus e africanos. Arqueólogos biólogos, tendo analisado os esqueletos dos sítios de Harappa e Mohenjo-daro, afirmam não haver características biológicas específicas para a afirmação de um tipo diferente chamado ariano ou dravidiano.
Em 2006, numa Conferência na Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, estudiosos informaram sobre pesquisas arqueológicas e astronômicas que concluem que a civilização indiana e sua população é indígena. Afirmam ainda que o povo original do subcontinente indiano e sua cultura seriam muito possivelmente a origem genética, linguística e cultural da maior parte do mundo.
O Dr. V.K. Kashyap, do National Institute of Biologicals, Índia, afirma na mesma conferência que não há qualquer evidência genética de invasão de um povo indu-ariano na Índia.
Quanto à língua sânscrita ter se originado numa língua chamada indo-europeia, não há evidência da existência dessa língua, tampouco de um lugar onde determinado povo que falasse tal língua estivesse estabelecido. Aliás, o estudioso Koenraad Elst defende a ideia de que é da Índia que se originaram tantas outras línguas por volta de 6000 a.C. Além disso, as línguas chamadas dravidianas, como tamil, telugu e mallayalam, têm forte conexões com o sânscrito, e estão mais ligadas a ele do que outras línguas chamadas indo-europeias, como o eslavo, o báltico, itálico, germano, celta e línguas derivadas dessas.
Encontramos nos Vedas cálculos matemáticos precisos como de solstícios e equinócios por volta de 8500 a.C., o que faz com que a data do Veda seja anterior. Le Gentil, astrônomo francês que viveu muitos anos na Índia, reconhece que o fabuloso conhecimento indiano não existia em nenhum outro lugar, nem na China e nem no Egito antigo. Hoje é sabido que são da Índia a invenção do sistema decimal, dos números chamados arábicos e o conceito do zero.
Os sábios antigos do Rg Veda sabiam que a distância entre o Sol e a Terra é por volta de 108 vezes o diâmetro do Sol; conheciam o período dos 5 planetas (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) e já haviam determinado o ano solar em 365 e 366 dias, milhares de anos antes desse conhecimento aparecer no Egito, na Babilônia ou na Grécia.
Podemos concluir que a teoria de que a civilização indiana teve origem fora da Índia é falsa. Interesses políticos e econômicos levaram à criação de tal doutrina, apresentada como certa e indiscutível, e que só se sustentou enquanto não foi questionada e analisada.
A Índia é o berço da mais antiga tradição de que se tem conhecimento, e, o que é mais incrível, essa tradição em todo seu esplendor está viva até hoje, e faz referência a todas as áreas do saber humano. Essa tradição tem sido mantida por mais de 6.000 anos através de uma complexa e rica tradição oral, de uma geração a outra, até os nossos dias. Por isso, é adequado o termo Bharata Mata, “Mãe Índia”, pois sua cultura e língua são anteriores a de todas as outras civilizações que se têm conhecimento hoje.
O conhecimento da Índia é imenso, profundo e envolve todas as áreas da vida humana. O fato de que tem sido preservado até hoje denuncia uma riqueza intrínseca a ele e eterna atualidade, pois sabemos que o ser humano não gasta seu tempo protegendo o que não lhe é útil. Através do tempo e em todo o continente indiano há uma mesma cultura que carrega um grande tesouro, que é ao mesmo tempo secreto, pois só se desvela àqueles que a procuram e reverenciam.
A cultura védica não é um somatório de partes, sejam elas geograficamente distantes, ou aparentemente diferente nas várias formas religiosas, artístico-culturais, linguística, relacionada à alimentação ou vestiário. Todas essas expressões são derivadas de um único Veda, que desvela uma verdade única, a qual é sua alma transcendental, apesar da relativa diferença nas formas. O espírito védico continua vivo e continuará, apesar das mudanças que o mundo moderno pode produzir na expressão de sua forma, pois ele existe além da forma.
O antigo espírito védico, Sanathana Dharma, está vivo no coração dos milhões que ainda hoje se dedicam a mergulhar em sua riqueza e desvelar seus segredos. Mais do que demarcar datas e local para a tradição védica, seremos abençoados ao mergulharmos em sua tradição oral viva e vislumbrarmos sua riqueza ilimitada, a afirmação desvelada de que a verdade única, absoluta e imortal é a natureza essencial do ser humano e de todo o universo.
Referências bibliográficas:
* The Invasion that never was, Michel Danino e Sujata Nahar, François Gautier
* Scientists Collide with Linguists to Assert Indigenous origin to Indian Civilization, em umassd.edu/indic
- Visite o site do Vidya Mandir – Centro de Estudos de Vedanta e Sânscrito, da Professora Gloria Arieira (1953-), em vidyamandir.org.br [↩]
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